Título: O ALTO-COMANDO DA BANCA
Autor: ELIO GASPARI
Fonte: O Globo, 08/02/2006, Opinião, p. 7

Houve uma época em que o Brasil esteve sob a supervisão do Alto-Comando do Exército. Finada a velha praga, apareceu uma nova, semelhante. É o Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central. Como ocorria no alto-comando da ditadura, alguns de seus membros extrapolam suas atribuições e ofendem os poderes da República.

Usurpam prerrogativas e compartilham um governo de anarquia. Na ditadura a anarquia era militar. No governo de Nosso Guia, é financeira. Nele, o melhor pedaço do andar de cima pode tomar o dinheiro da Viúva a 9% ao ano, atravessar a rua e emprestá-lo à mesma senhora a 17,25%.

O novo alto-comando quer a defesa do dogma de sua infalibilidade. Estimaram um crescimento de 4% para o PIB de 2005 e agora viram que vai dar menos de 3%. Confrontados com a ruína, pedem colo ao governo .

Conversa velha: ¿Queremos uma reparação imediata¿, dizia o porta-voz da bagunça militar em 1975.

O Copom foi criado em 1996, num ato da burocracia interna do Banco Central. Atribuiu-se a tarefa de estabelecer uma taxa para os juros. Essa é uma prerrogativa do Poder Executivo, não de oito profissionais do segundo escalão, dois dos quais, ex-diretores de bancos privados.

Deles pode partir uma recomendação, nada mais. A cada três meses os generais do alto-comando preparam uma lista de promoções e ela vai ao presidente da República. Ele a respeita (tem sido assim nos últimos 42 anos), mas não está obrigado a isso.

O alto-comando do BC comporta-se como se Lula não tivesse alternativa senão fazer o que seu mestre mandar. Disso resulta a desqualificação da Presidência. O Poder Executivo deve reconhecer a competência da burocracia do Estado, mas não pode ceder à usurpação de prerrogativas.

Quando cede, provoca desgraças. Em 1969, por exemplo, o Alto-Comando do Exército atribuiu-se o poder de escolher o sucessor do marechal Costa e Silva. Até chegar ao nome do general Emílio Médici, produziu uma patética anarquia militar. Lula, produz a anarquia financeira.

O governo do Nosso Guia tem duas taxas de juros: a Selic do BC para a freguesia da banca (17,25%) e a TJLP (9%) para a clientela do BNDES. A turma da Selic diz que a taxa da TJLP é coisa de maluco. A da TJLP diz o contrário. Nenhuma das duas turmas denuncia pública e sistematicamente que coisa de maluco é um governo com taxas tão divergentes.

Os generais do Alto-Comando diziam que defendiam a estabilidade política do regime. Amparavam-se num aparelho repressivo cujo núcleo fora financiado pela banca. Os doutores do Copom dizem que defendem a estabilidade da moeda, sempre com o apoio da banca. (Registro devido: o pessoal do BC atua no estado de direito, enquanto os generais do Alto-Comando do Exército condecoravam e acobertavam torturadores e assassinos.)

No tempo dos generais, esperava-se com ansiedade pelas reuniões do Alto-Comando. Agora, aguarda-se o Copom. A anarquia está na usurpação e na ameaça de crises financeiras decorrentes de um suicídio coletivo de diretores do Banco Central, na tentativa de emparedamento do governo.

Dizendo que vocalizava o sentimento do Alto-Comando, o general Sílvio Frota, ministro do Exército, ameaçava com a ¿tropa indo para a rua¿. Um dia, o presidente Ernesto Geisel, de caso pensado, pagou para ver.

Era blefe.

ELIO GASPARI é jornalista.