Título: Dólar furado
Autor: Míriam Leitão
Fonte: O Globo, 08/02/2006, Economia, p. 22

A tendência do real é continuar se valorizando frente ao dólar, dizem os economistas e analistas de banco. Isso significa que a moeda americana, que chegou na segunda-feira ao inacreditável nível abaixo de R$2,20 e que ontem se manteve também abaixo, fechando em R$2,18, vai continuar oscilando com tendência de queda. Nathan Blanche, da Tendências, diz que não é apenas arbitragem financeira, mas, sim, comércio. Este é o quarto ano em que o real sobe frente ao dólar.

Arbitragem financeira, ou seja, a entrada de investidor atrás de juros altos, não é a única fonte de valorização da moeda. O volume de comércio brasileiro é o principal fator. O fluxo de dólares para o país continua significativo. Nos últimos doze meses, o superávit supera US$45 bilhões. Em 2006, talvez, o saldo seja um pouco menor, mas continuará sendo expressivo. A liquidez no mundo continua alta e isso atrai investidores.

O governo estuda uma medida que pode aumentar o ingresso de recursos externos no país. O secretário do Tesouro, Joaquim Levy, tem falado em isentar os investidores externos que quiserem aplicar em título público brasileiro. Isso vai apreciar mais ainda o real, porque aumentará a entrada de dólares.

¿ Pode ser que aumente, sim, num primeiro momento. Por outro lado, tem a vantagem de criar mercado para os títulos brasileiros de longo prazo. O investidor estrangeiro tem a tendência de investir em prazos mais longos ¿ afirma Levy.

A proposta vai criar um tratamento diferenciado para o investidor estrangeiro, que não pagará imposto. O daqui pagará.

¿ Prefiro dizer que estaremos nos igualando aos outros países. Em nenhum lugar do mundo, o investidor que quer entrar no país e financiar a dívida pública paga imposto. Na Argentina e no México, também não pagam ¿ comenta o secretário do Tesouro.

Seja como for, o fato é que será mais uma porta pela qual a moeda americana entrará no país. É preciso abrir as portas de saída também; uma delas, a importação. O Brasil precisa remover barreiras à entrada de produtos. Isso aumentará o volume do comércio como um todo, o que é muito saudável; ajudará a regular a cotação do dólar e fará crescer a competição interna. Por todos os motivos, o país deveria importar mais do que importa. É possível que, nos próximos meses, haja um aumento da importação; mais por razão cambial que por retirada de barreiras ao comércio.

No ano passado, o real se valorizou diante do dólar, apesar de a moeda americana ter subido em relação a boa parte das moedas do mundo. O real liderou a lista dos que se valorizaram, com uma variação de 13,72%. No mesmo período, o peso chileno subiu 9,77% e o mexicano, 4,8%. Enquanto algumas moedas emergentes se fortaleceram em 2005, desvalorizaram-se o euro, com queda de 12,6%, e o iene, com 12,85%. Este ano, novamente, o real já é a moeda que mais se fortaleceu em relação ao dólar. Subiu até ontem 6,47%, enquanto o segundo colocado, o won, da Coréia, subiu 4,31% e o terceiro, o baht, da Tailândia, 3,63% (veja gráfico). O peso mexicano valorizou 0,97% e o euro, 1,03%; enquanto o iene caiu 0,36%.

O investimento estrangeiro em bolsa está fortíssimo. A entrada chegou a US$1,150 bilhão nos dois últimos meses, diante da média mensal de US$450 milhões no ano passado. A expectativa é de que continuará entrando, puxando a bolsa. Diante da entrada maciça de dólares, seja de investimento, seja de comércio, o Banco Central tem comprado dólares regularmente para conter a queda. Nos últimos dois meses, o BC comprou US$6,3 bilhões no mercado à vista e contratou US$17,7 bilhões de operações de swap reverso, que representam, na prática, compra de dólar no mercado futuro. Mesmo assim, não tem conseguido evitar que a moeda americana procure um novo piso.

As empresas continuam captando recursos no exterior. O governo também tem feito captações. O risco-país está caindo e isso aumenta o incentivo a novas entradas. Mesmo com os economistas garantindo que hoje a fonte de apreciação é principalmente os dólares do comércio, o fato é que o Brasil tem taxas de juros reais de dois dígitos num mundo em que se remunera muito mal o capital investido em títulos de renda fixa. Capitais que andam zanzando por aí, claro, sentem-se atraídos por um país onde todos os indicadores melhoraram, que fez um extraordinário ajuste externo e que, mesmo assim, está disposto a pagar 12% de juro real para quem queira financiar sua dívida.