Título: CAOS E MORTES NA ELEIÇÃO HAITIANA
Autor: Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 08/02/2006, O Mundo, p. 28

Atrasos, filas enormes e forte policiamento marcam pleito para escolher novo presidente e Congresso

Com mais de dez mil militares e policiais nas ruas, os haitianos foram ontem às urnas num dia de alguns tumultos e muita desorganização. No país onde o voto não é obrigatório, a população enfrentou filas quilométricas para eleger o presidente e um novo Congresso. A demora de horas para votar e o atraso na abertura de dois locais de votação em Porto Príncipe provocaram muito empurra-empurra. Militares brasileiros tiveram que atirar para o alto para conter a multidão numa seção eleitoral da capital, enquanto a tropa de choque da ONU jogou bombas de gás lacrimogêneo em Bel Air, bairro pobre sob responsabilidade das tropas brasileiras. Na confusão, um policial foi atingido por uma pedrada.

Um eleitor morreu de ataque cardíaco em Porto Príncipe quando esperava para votar e muitas pessoas com desmaios tiveram que ser socorridas, segundo a Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah). Em Gros-Morne, norte do país, um policial foi linchado após matar com um tiro uma pessoa durante uma briga em frente a uma seção eleitoral, informou a Rádio Metropol.

Até o início da noite, não havia balanço do número de eleitores que votaram. Dos 3,5 milhões registrados, cerca de 3,1 milhões já tinham retirado o documento de identidade que serve de título eleitoral. O resultado deve sair na sexta-feira.

Muitos tiveram dificuldade para encontrar os locais de votação. Em Cité Soleil, a mais violenta favela de Porto Príncipe e única região da cidade ainda sob o controle de gangues, não foram instaladas seções eleitorais devido à falta de segurança. Os 65 mil moradores com título de eleitor tiveram de ir a bairros vizinhos.

¿ Não encontramos lugar para votar onde moramos. Fomos onde nos mandaram, mas lá não acharam nossos nomes ¿ disse Antoine Reginald.

Trânsito na capital foi bloqueado

A votação estava marcada para começar às 6h, mas já havia gente nas filas desde as 5h. Os problemas levaram o Conselho Eleitoral a criar um comitê de emergência para solucioná-los e estender o horário de votação.

O guia turístico Ermes Auguste foi um dos primeiros a chegar a uma escola perto do palácio nacional:

¿ É muito importante estar aqui hoje, precisamos que tudo mude. Queremos emprego, saúde, educação.

A falta de planejamento foi responsável por boa parte dos atrasos. Numa escola perto do palácio nacional, a fila crescia enquanto funcionários começavam a arrumar as salas. Em outro local de votação já passava das 7h e os mesários ainda contavam as cédulas. Os eleitores, impacientes, gritaram palavras de ordem como ¿Vim aqui para votar¿. Cenas semelhantes ocorreram em diversos locais onde as filas ultrapassavam um quilômetro. Em dois pontos de votação, um deles com previsão de atender 20 mil eleitores e outro 17 mil, os portões foram abertos às 12h, seis horas após o previsto. Foi ali que militares brasileiros tiveram que atirar para cima.

¿ Estamos aqui há cinco horas e os portões não foram abertos. Dizem que o material não chegou ¿ disse o agrônomo Joseph Frantz.

A Minustah, cujo efetivo no país é de 7,5 mil militares, reforçou a segurança nas ruas para as eleições, junto com a polícia da ONU, com 1,7 mil homens. A Polícia Nacional, com pelo menos 4 mil homens, também participou da operação. Em algumas seções, porém, não havia policiais nem observadores internacionais.

O governo decretou feriado desde segunda-feira. O trânsito na capital foi bloqueado, com carros de polícia e barricadas de arame farpado impedindo a passagem de veículos. Os haitianos foram proibidos de circular de moto, pois esse tipo de veículo costuma ser usado por bandidos armados de fuzil. No fim dos anos 1980, eleitores foram fuzilados por motoqueiros.

Os partidos credenciaram fiscais para acompanhar a votação. Não houve boca de urna. Em diversos locais, grupos de eleitores gritavam espontaneamente o nome do ex-presidente René Préval, o favorito segundo as pesquisas de intenção de voto. Alguns eleitores faziam gestos obscenos e gritavam palavras hostis ao verem passar carros da Minustah.

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