Título: OS REMENDOS
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 09/02/2006, O PAÍS, p. 2

Precisamos é de uma boa reforma política mas os remendos podem minimizar os desvios e atenuar os delitos eleitorais. Vale para o projeto que a Câmara aprova hoje, com substitutivo de Moreira Franco, se os deputados não rejeitarem as duas medidas mais importantes: teto para os gastos e prestação de contas pela internet. Nos próximos dias, o Congresso ainda aprovará outras mudanças eleitorais: um substitutivo do senador José Jorge com base nas sugestões do TSE.

Em relação ao projeto de Moreira não houve acordo sobre a prestação de contas pela internet. A decisão será no voto, em plenário, com alto risco de rejeição, mesmo com a dispensa de revelação dos nomes de doadores durante a campanha. Só seriam revelados na prestação de contas posterior. Eles ficariam intimidados, alegam os deputados. A divulgação atrairá fila de candidatos mas o problema pode ser outro, a busca de outra fonte, lá adiante, para substituir o doador que não quer aparecer. A lei a ser aprovada hoje vai prever uma outra na qual serão fixados os gastos máximos em cada tipo de campanha (deputado, senador, governador e presidente). Este teto terá valores diferentes para cada estado ou região. Algumas particularidades regionais encarecem mesmo as campanhas. Em Minas, estado com 853 municípios, um candidato a deputado federal viaja muito mais. No Amazonas, é barco ou avião. Os diferentes tetos serão fixados por uma comissão suprapartidária. A dificuldade está em se votar ainda neste semestre uma outra lei. Se isso não acontecer até junho, caberá ao TSE fixar os valores. Os deputados temem que sejam inferiores ao que a realidade exige. O problema deste projeto, na verdade, está na delegação ao TSE para regulamentar as proibições. O deputado Carlos Motta (PSB-MG) apontava para a falta de conceituação. Proíbe-se o trio elétrico. Mas o que será mesmo um trio elétrico? O tradicional, inventado na Bahia por Dodô e Osmar, ou qualquer carreta com som eletrônico? E o que se deve entender por showmício ou telemarketing? Na falta de definição clara, a proibição será facilmente burlada. O outro projeto relatado pelo senador José Jorge deriva das sugestões do ex-presidente do TSE, Carlos Velloso, e trata principalmente de crimes eleitorais. Na verdade, são três projetos. Um trata das inelegibilidades e avança ao prever a cassação da candidatura ou a perda do mandato por dolo na prestação de contas, crimes contra a ordem tributária e lavagem de dinheiro, crimes até aqui ignorados pela lei das inelegibilidades. A pena será aplicada a partir da confirmação da sentença pelo TSE, dispensada a apreciação pelo STF. Um outro trata das doações para campanhas. Exige que sejam feitas em cheque nominal, a ser depositado em conta específica. Hoje as doações podem alcançar 2% do lucro líquido das empresas no ano anterior mas não se permite a dedução. O projeto autoriza a dedução das doações como despesa, para cálculo do imposto de renda. Um terceiro projeto prevê que apenas as contas dos candidatos eleitos serão obrigatoriamente examinadas antes da diplomação. Atualmente, tendo que examinar todas as contas neste prazo, inclusive as dos derrotados, a Justiça Eleitoral acaba realizando uma fiscalização ligeira. Remendo não resolve mas tapa alguns buracos.