Título: COTAS DE 50% NAS FEDERAIS
Autor: Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 09/02/2006, O PAÍS, p. 3

Reserva de vagas para alunos de escolas públicas, negros e índios será efetivada em até 4 anos

ACâmara dos Deputados aprovou ontem projeto que institui sistema de cotas nas universidades federais para estudantes de ensino público, negros e índios. A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aprovou, por unanimidade, proposta que garante a reserva de metade das vagas das universidades e das escolas técnicas federais para esses alunos.

O substitutivo, de autoria da deputada Iara Bernardi (PT-SP), relatora do projeto, segue agora direto para o Senado e, depois, irá para a sanção do presidente da República, caso não seja modificado. Pelo sistema de cotas aprovado ontem 50% das vagas são destinadas aos alunos que cursaram todo o ensino médio na rede pública. Parte dessas vagas será destinada a estudantes negros e índios, obedecendo a proporção dessas populações em cada estado, segundo os cálculos do IBGE. Distribuídas essas vagas, as que sobrarem serão ocupadas por outros estudantes de escolas públicas. Apesar de destoar em alguns pontos da proposta original do governo, o texto aprovado conta com o apoio discreto do Ministério da Educação. O ministro da Educação, Fernando Haddad, discutiu o projeto com a relatora.

Mudança pode valer para o vestibular deste ano

Pela proposta aprovada, o programa de cotas pode entrar em vigor ainda no vestibular deste ano. Mas a adoção do programa será gradativa. Cada instituição terá que destinar, a cada ano, 25% do previsto na lei. Em quatro anos, metade das vagas nas instituições será exclusivamente do programa de cotas. Esse prazo para adoção integral do programa é um ponto de divergência com os reitores das universidades, que acham esse tempo curto e defendem o período de dez anos para implantação das cotas. O projeto de reforma universitária do governo também defende dez anos, mas o Ministério da Educação demonstra uma posição flexível em relação a esse ponto. O secretário-executivo do ministério, Jairo Jorge, disse ontem que, apesar da posição contrária do MEC em relação ao prazo de adoção, o governo não irá trabalhar para derrubar esse ponto do projeto. ¿ O prazo de quatro anos é razoável. Não somos radicais em relação a isso. Mas o importante é que haja adesão plena da comunidade acadêmica. Se serão quatro ou dez anos, vamos discutir. Fundamental é não perder o consenso para não haver ruptura ¿ disse Jairo Jorge. Hoje, 21 universidades já adotam, por conta própria, a política de cotas. Com o projeto, a reserva de vagas para negros e índios será obrigatória em toda instituição federal de ensino superior e de ensino técnico. Iara Bernardi comemorou a aprovação do texto e disse se tratar de um dia histórico. Ela afirmou que as cotas irão acabar com a distorção na sociedade de que estudantes pobres e de escola pública não têm condição de freqüentar as universidades federais. ¿ Mas a resistência às cotas na sociedade está diminuindo. Já temos inúmeras experiências de inserção de excluídos no ensino superior. O ProUni está provando também que alunos carentes de escolas públicas têm bom rendimento no ensino superior. Não se pode discriminar ¿ disse Iara Bernardi.

Vagas serão reservadas em todos os cursos

O projeto prevê que as vagas asseguradas pelas cotas sejam distribuídas em todos os cursos e turnos, de manhã, à tarde e à noite. A medida é para evitar que as universidades destinem aos alunos das cotas cursos menos procurados e horários menos freqüentados. Para o coordenador do Movimento dos Sem Universidade (MSU), Sérgio José Custódio, a aprovação das cotas ontem na comissão representa a vitória de ¿milhões de pessoas¿ por beneficiar os estudantes de escolas públicas. Segundo Custódio, 89% dos dez milhões de alunos do ensino médio no país estão matriculados em escolas públicas. ¿ Apesar dos números, historicamente só uma pequena parcela usufrui da universidade federal. As cotas vão mudar isso. O vestibular confundiu conhecimento com macete, manha e musiquinha de decoreba. O mais importante do projeto é a quebra do privilégio. O seu significado é de abolição ¿ disse Sérgio Custódio. O Ministério da Educação, a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e a Fundação Nacional do Índio (Funai) irão acompanhar a aplicação das cotas nas universidades. Após dez anos de sua implantação, o governo poderá fazer a revisão do programa de cotas.