Título: ATRÁS DE VOTO
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Fonte: O Globo, 09/02/2006, OPINIÃO, p. 6

Em fase de hiperatividade, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou na terça-feira um conjunto de medidas para estimular a construção civil, com especial atenção às faixas de renda mais baixa. Numa solenidade com direito a claque, foi apresentado um pacote de conteúdo diversificado. Nele se misturam a liberação de recursos para reforçar linhas de financiamento imobiliário, mais recursos para o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social e redução da carga tributária (IPI) sobre uma série de materiais de construção. O próprio Lula tomou a iniciativa de frisar a inexistência de qualquer interesse eleitoreiro nesse conjunto de medidas. Precisará exercitar bastante o poder de convencimento. Não se pode deixar de elogiar o corte do imposto. Num país onde a carga tributária atinge o paroxismo, qualquer alívio é bem-vindo. O fato, porém, de boa parte dos recursos anunciados não ser do governo, mas das cadernetas de poupança; e uma outra parcela já ser conhecida, prevista no Orçamento da União e no FGTS, denuncia o caráter político-promocional do pacote. Dos R$18,7 bilhões citados como reforço às linhas de financiamento, apenas R$550 milhões são dinheiro novo. A redução do IPI, em alguns casos eliminação, para estimular o consumo de 26 tipos de materiais de construção, comprova o interesse eleitoral. É evidente a intenção de agradar a quem compra esses materiais para transformar o barraco em casa de alvenaria ou expandir com mais uma laje o imóvel erguido na informalidade, em favelas e precários bairros nas periferias. Não é sequer garantido que o comércio repassará a margem criada pelo corte do IPI. Mas como o objetivo é afagar a massa, tudo é válido. Mesmo que se incentive a favelização país afora. Sintomaticamente, medidas efetivas para atacar o problema da casa própria ou não foram tomadas ou ficaram aquém do necessário. Nas discussões internas no governo tratou-se de um regime tributário especial destinado a projetos imobiliários para a baixa renda. Ficou de fora do pacote. E o bilhão de reais do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social precisaria ser multiplicado por cinco para subsidiar como é preciso as prestações do pobre. Mas são medidas de difícil compreensão num momento em que o importante é atrair voto.