Título: EUA: Síria e Irã incitam radicais
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Fonte: O Globo, 09/02/2006, O MUNDO, p. 28

Condoleezza Rice diz que governos estão manipulando protestos contra charges de Maomé

WASHINGTON

Pela primeira vez desde o início da crise provocada pela reação de muçulmanos à publicação de charges com o profeta Maomé, o governo americano endureceu o discurso e acusou ontem governos de países islâmicos de estarem manipulando a questão. A secretária de Estado Condoleezza Rice disse que Síria e Irã estão incitando a violência em protestos diante de embaixadas ocidentais em países árabes. No Afeganistão, morreram pelo menos mais três manifestantes, elevando o número de vítimas até agora para 14 desde o fim de semana. ¿ Irã e Síria passaram dos limites e estão inflamando sentimentos e usando isto para seus próprios propósitos. O mundo deve chamar a atenção deles em relação a isso ¿ disse Condoleezza. ¿ Há governos (de Síria e Irã) que estão utilizando esta oportunidade para incitar a violência. Significativamente, ela fez as declarações ao lado da chanceler de Israel, Tzipi Livni. Terça-feira, o líder supremo do Irã, o aiatolá Khamenei, disse que as charges foram um trabalho de Israel, indignado com a vitória do Hamas nas eleições palestinas. As caricaturas, porém, foram publicadas na Dinamarca quatro meses antes do pleito. No mesmo dia, um jornal ligado ao governo iraniano lançou um concurso de charges sobre o Holocausto. ¿ Nada justifica o incêndio de instalações diplomáticas ou ameaças a embaixadas ¿ disse Condoleezza. Algumas das mais radicais manifestações foram realizadas em Irã e Síria, países com os quais EUA e Europa têm tido sérias divergências. A Síria é criticada pelo envolvimento no Líbano e acusada de permitir a entrada de armas para rebeldes no Iraque. O Irã reativou seu programa nuclear, contrariando a ONU. O presidente Bush pediu calma e disse que a liberdade de imprensa deve ser usada com responsabilidade: ¿ Apelo aos governos de todo o mundo que dêem um fim à violência, que sejam respeitosos, que protejam as propriedades, as vidas dos diplomatas inocentes ¿ afirmou. Ao lado de Bush estava o rei Abdullah II, da Jordânia, que também pediu calma, mas disse que as charges são ofensivas ao Islã.

Protestos em Bósnia e Cisjordânia

Em Qalat, no Afeganistão, manifestações mais uma vez terminaram em mortes. Centenas de pessoas queimaram um carro da polícia e tentaram invadir uma base americana. Policiais afegãos atiraram, matando três pessoas. Em três dias morreram 12 manifestantes no país (as outras duas vítimas foram em Líbano e Somália). Centenas de pessoas protestaram ontem diante da sede dos monitores internacionais em Hebron, na Cisjordânia. Em Lahore, no Paquistão, três mil radicais incendiaram dois cinemas. Em Sarajevo, na Bósnia, bandeiras de países europeus foram queimadas. O semanário satírico francês ¿Charlie Hebdo¿ publicou ontem as charges, além de outras caricaturas sobre o islamismo e outras religiões. Uma delas, sob o título ¿Maomé cansado dos radicais¿, mostra o profeta com o rosto nas mãos e chorando enquanto diz: ¿É difícil ser amado por idiotas.¿ Em editorial, o editor Philippe Val diz que ¿quando extremistas extraem concessões de democracias em questões de princípio, por chantagem ou terror, as democracias estão com os dias contados.¿ O presidente francês, Jacques Chirac, criticou o semanário: ¿ Condeno todas as óbvias provocações que podem inflamar paixões. A liberdade de imprensa deve ser exercida com responsabilidade. Val se disse chocado com as declarações de Chirac. A tiragem de 160 mil cópias se esgotou em horas e os editores já anunciaram a impressão de mais 310 mil. Nos EUA, os editores de um jornal de Nova York se demitiram ao serem impedidos de publicar as charges pelos donos. O ¿New York Press¿ publicaria uma reportagem sobre a crise.