Título: 'A polêmica é preconceituosa e mesquinha'
Autor: Ciça Guedes
Fonte: O Globo, 10/02/2006, O PAÍS, p. 4

A historiadora Wania Sant¿Anna enxerga, na aprovação do projeto de cotas, o ponto de partida para uma mudança mais profunda na educação brasileira. Ativista do movimento negro, defensora da política de reserva de vagas, ela lembra que o ensino médio tem de melhorar ¿ ou o problema vai se transferir para lá.

O projeto aprovado lhe agrada? Atingirá o que se propõe? WANIA SANT¿ANNA: Pode funcionar se a qualidade do ensino médio público melhorar. A medida pressiona este setor. A falta de um recorte que considere a renda pode virar um problema, porque as vagas terminarão privilegiando alunos das poucas escolas públicas de qualidade, como os colégios Aplicação e as instituições técnicas federais. O nível dessas escolas deveria ser levado em conta no projeto. O ensino médio, como um todo, precisa se preparar para as mudanças.

Mas a proposta vai contribuir para a democratização do acesso à universidade? WANIA: Sem o critério da renda, o quadro atual pode se reproduzir se a classe média usar o caminho da escola pública como atalho para mandar os filhos à universidade gratuita. Se o ensino médio acompanhar as mudanças e ampliar a oferta, será uma orientação excelente para alunos, professores e até para as políticas educacionais do governo.

As cotas raciais, tão questionadas por setores da sociedade, ajudarão a diminuir a desigualdade entre brancos e negros? WANIA: A polêmica das cotas para os negros é preconceituosa e mesquinha. É uma política de reparação que, além de justa, hoje beneficia outros grupos, afora os negros, como prova o ProUni. E é bom para o país, porque ajuda a incluir mais brasileiros no nível mais qualificado de formação. É um vexame que os brasileiros tenham apenas 6,2 anos médios de ensino. A educação precisa ser massificada.

A sociedade está pronta para este debate? WANIA: Os extratos médios da sociedade devem observar que também podem ganhar com ele. As políticas de combate à desigualdade não são só para os negros, mas, ao beneficiá-los, atendem à sociedade como um todo. Mas não se pode afrouxar a fiscalização às fraudes. É fundamental para o sucesso da legislação e dos programas em geral.