Título: Estudiosos discutem se genética poderia determinar acesso a cotas
Autor: Ciça Guedes
Fonte: O Globo, 10/02/2006, O PAÍS, p. 4

RESERVA DE VAGAS: PROFESSOR ALERTA PARA RISCO DE SE FOMENTAR O RACISMO

Brasileiros podem provar que têm ancestralidade africana e ameríndia

A complexa discussão sobre as cotas raciais nas universidades brasileiras pode ficar ainda mais difícil de ser solucionada se estudantes que se sentirem prejudicados resolverem provar que têm ancestralidade africana ou ameríndia por meio da análise de seus marcadores de DNA. A velha máxima de que o Brasil é a mistura de diferentes populações é confirmada por nossa essência: estudos de geneticistas mostram que 86% dos brasileiros têm mais de 10% de ancestralidade africana. E qual seria o nível de ancestralidade africana ou ameríndia necessária para que um candidato se declare negro ou índio? ¿ Nós estudamos o material genético de um grupo de negros e pardos em Porto Alegre que apresentou mais de 50% de ancestralidade européia. A coisa é complicada no Brasil. É claro que um estudante pode solicitar uma análise de seus marcadores de DNA nos Estados Unidos ou na Europa, já que ainda não se faz esse tipo de exame aqui, e reivindicar uma vaga nas cotas ¿ diz o presidente da Sociedade Brasileira de Genética, Francisco Salzano, um dos maiores especialistas do mundo em genética de população, professor do Instituto de Biociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

`O governo precisa cuidar para não fomentar tensões¿

O professor de bioquímica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e presidente do Núcleo de Genética Médica (Gene), Sérgio Pena, autor, junto com Maria Cátira Bortolini, do estudo ¿Pode a genética definir quem deve se beneficiar das cotas universitárias e demais ações afirmativas?¿, de 2004, no qual estão os cálculos das diferentes proporções de ancestralidade africana nos brasileiros, afirma que do ponto de vista biológico, ¿estritamente científico¿, raças humanas não existem. Num artigo ainda inédito em parceria com a professora de filosofia Telma Birchal, que será publicado num número especial da Revista da USP (Universidade de São Paulo) sobre raça e racismo, Pena vai mais longe: ¿Naquela ocasião (2004) não discutimos o mérito das ações afirmativas nem da política de cotas. Thomas Sowell mostrou em seu livro `Affirmative action around the world¿ que a experiência mundial com cotas tem tido como efeito aumentar o nível de racialização da sociedade. (...) Ao implementar bem-intencionados programas de ação afirmativa para alavancar necessárias mudanças sociais, o governo precisa cuidar para não fomentar tensões e divisões artificiais e arbitrárias no povo do Brasil, país onde, igualmente, somos todos essencialmente diferentes.¿ ¿ O caso da seleção na Universidade de Brasília (UnB) foi particularmente chocante, com o uso de fotos de candidatos, com técnicas, digamos, malditas, as mesmas que os nazistas usavam para identificar quem seria judeu. Meu sonho é que a sociedade brasileira caminhe para a ¿desracialização¿, fique cega a cores ¿ diz Pena.