Título: FREIO NA INVASÃO CHINESA
Autor: gilberto Scofield
Fonte: O Globo, 10/02/2006, ECONOMIA, p. 21

Brasil fecha acordo com governo de Pequim para limitar importações de têxteis até 2008

O governo brasileiro fechou ontem com a China um acordo que limita o crescimento das exportações de produtos têxteis chineses para o Brasil até 2008, informou o secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Ivan Ramalho.

Após três dias de reuniões na sede do Ministério do Comércio da China, em Pequim, o Brasil fechou um acordo muito próximo do acertado entre China e EUA. Foram estabelecidos percentuais-limites de aumento nas importações brasileiras de têxteis chineses, que crescerão anualmente até dezembro de 2008, quando o comércio será totalmente liberado. Na prática, trata-se da fixação de cotas que vão crescendo a cada ano até desaparecerem por completo, a partir de janeiro de 2009. O acordo - que inclui oito categorias de produtos têxteis e abrange 60% das importações de tecidos e roupas chineses para o Brasil - evita que o governo brasileiro peça uma investigação na Organização Mundial do Comércio (OMC) nessas categorias para aplicação de salvaguardas na importação de produtos chineses.

Importações do país aumentaram 43%

A OMC determinou o fim das cotas para o comércio internacional de tecidos em dezembro de 2004, mas permitiu que os países que se sentissem prejudicados por um eventual aumento acima do esperado nas exportações de têxteis da China recorressem ao organismo. A China entrou na OMC em 2001. - O controle nas vendas de tecidos chineses será feito pelo Brasil, que só dará licenças de importação dentro do programa de cotas fixado entre os dois países. A China, por sua vez, só concederá a licença para seus exportadores mediante a apresentação do documento brasileiro - explicou Ramalho, chefe da delegação de sete representantes do Ministério do Desenvolvimento e do Itamaraty, que negociou com os chineses, na quarta rodada de conversas entre os dois países. Ano passado, as importações totais de têxteis da China para o Brasil alcançaram US$359 milhões, um valor 43% acima dos US$251 milhões importados em 2004. - A indústria têxtil brasileira não pediu proteção porque não se considera competitiva - diz Domingos Mosca, um dos dois representantes da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit) que, juntamente com José Eduardo Cintra de Oliveira, da Associação Brasileira de Produtores de Fibras Sintéticas, representaram o setor privado nas negociações. - Mas o fato é que os produtores chineses se beneficiam de um câmbio artificialmente desvalorizado, mão-de-obra barata e ajuda estatal para vender no exterior. Trata-se de competição desigual. De acordo com Fernando de Magalhães Furlan, diretor do Departamento de Defesa Comercial do Ministério do Desenvolvimento, o acordo fechado entre a China e o Brasil conseguiu ser mais abrangente que os acertados entre os chineses e os EUA e a União Européia. No caso brasileiro, as cotas afetam 76 itens tarifários (como são classificados os produtos para fins de taxação no comércio exterior) ou 60% das importações brasileiras da cadeia têxtil da China. No caso dos EUA, o acordo incluiu 60 itens, ou 45% das importações. Com a UE, foram afetadas 30% das importações da China. A Abit havia sugerido a inclusão de sete novas categorias de produtos no acordo, o que foi recusado pela China. Se nada der errado na última hora, o acordo final será assinado oficialmente hoje às 9h no Ministério do Comércio da China e cabe ao Brasil, mais exatamente à Abit, determinar como será feita a distribuição das cotas entre os importadores privados brasileiros. O acordo passa a valer 30 dias após a assinatura oficial, mas os contratos de importação fechados antes dessa assinatura (cujos produtos ainda não foram embarcados) terão um prazo de tolerância, provavelmente de 20 a 30 dias, para o desembarque no Brasil sem os limites das cotas, informou Ramalho.

Uso de salvaguardas não é descartado

Em São Paulo, o diretor-superintendente da Abit, Fernando Pimentel, considerou o acordo que limita o crescimento das exportações de produtos têxteis chineses para o Brasil "bom, importante e de direito", e não uma benesse. - Mais importante do que o acordo é a sua operacionalização, já que ele entrará em vigor 30 dias depois que os ministros dos dois países, responsáveis pelo setor, oficializem o documento. Pimentel lembrou que o acordo de restrições voluntárias, que ele preferiu chamar de ordenamento comercial, não implica abrir mão do uso do mecanismo de salvaguardas toda vez que houver um surto de importações, dumping ou danos a outras categorias da cadeia têxtil brasileira. - Toda vez que houver algo que ameace a indústria, vamos montar um processo e, certamente, apresentar um pleito - disse Pimentel. Indagado se essa postura não significaria reserva de mercado, Pimentel respondeu que o setor têxtil nacional é competitivo e não teme qualquer concorrência. Para o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, melhor um acordo como esse do que iniciar um processo contra a China na OMC. Ele ponderou que a China hoje tem uma taxa de câmbio favorável para as suas exportações, enquanto o Brasil tem a mesma vantagem, porém, para importações.