Título: Nepotismo garantido por liminar
Autor: Carolina Brígido
Fonte: O Globo, 12/02/2006, O PAÍS, p. 3

Ações nos tribunais de Justiça estaduais atrasam cumprimento da resolução do CNJ

Pelo menos 1.148 parentes de magistrados ocupam cargos de confiança na justiça estadual de todo o Brasil. A prática, conhecida como nepotismo, está proibida há três meses, quando foi editada uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão criado para fiscalizar a atividade dos juízes. O prazo para as exonerações desses parentes é a próxima terça-feira. No entanto, 40% dos casos detectados não serão atingidos pela norma: já somam 449 os funcionários que garantiram, por meio de liminar judicial, a permanência no emprego. Até sexta-feira, apenas 253 parentes de juízes identificados haviam sido demitidos. Os números foram obtidos por levantamento feito pelo GLOBO nos 27 tribunais de Justiça do país. Em sete estados, as cortes recusaram-se a divulgar dados. Do total, 25 tribunais disseram que realizaram um estudo em seus quadros de pessoal para detectar quantos funcionários precisariam ser demitidos. Mesmo sem a conclusão do estudo, os presidentes dos tribunais prometem exonerar todos os parentes até terça-feira. ¿ Devo cumprir a resolução. Não concordamos que pessoas tenham cargos em comissão por causa de parentesco ¿ disse o presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, desembargador José Gerônimo Bezerra de Souza.

Demissões só após julgamento no STF

Nos tribunais de Justiça do Piauí e do Rio Grande do Sul, a norma do CNJ não será cumprida. O presidente da corte do Piauí, desembargador João Batista Machado, alega que existem ações no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando a resolução e só fará as demissões após o julgamento, se for mantida a norma. O número de liminares concedidas no país foi recorde em Minas, onde 177 funcionários conseguiram manter-se no cargo. No Paraná, chegam a 82 e no Rio de Janeiro, 79. As ações foram propostas aos tribunais de Justiça com o argumento de que as exonerações só poderiam ocorrer se o STF considerar a norma constitucional. O STF tem seis ações contra a resolução aguardando julgamento. Uma proposta da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) pede que ela seja declarada constitucional. Assim, todas as liminares perderiam a validade e as demissões seriam incontestáveis. Esse julgamento poderá ocorrer esta semana. ¿ Considero essas liminares uma situação transitória ¿ aposta o presidente da Comissão de Combate ao Nepotismo da Ordem dos Advogados do Brasil, Vladimir Lourenço. Até sexta-feira, Minas tinha o maior número de casos de nepotismo, com 177 funcionários, seguido de Goiás, com 166, Pernambuco, 157, e Bahia, com 150. Em Goiás, todos os parentes identificados foram demitidos e na Bahia, apenas três. Em termos percentuais, o destaque negativo é para o Rio Grande do Norte, onde 28% dos cargos de confiança são ocupados por parentes de magistrados. São 400 cargos, dos quais 115 preenchidos de forma irregular. Desses, 69 garantiram a permanência por liminar. O presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, desembargador José Jurandir de Lima, disse que vai cumprir a norma do CNJ. Mas, para ele, o fim do nepotismo teria de ser imposto por lei. A Assembléia Legislativa do estado ajuizou uma das ações no STF contra a resolução: ¿ Não sou contra o fim do nepotismo. Nos tribunais superiores, há nove casos de nepotismo. No Superior Tribunal de Justiça, cinco parentes de magistrados e de diretores têm cargo de confiança. A ministra Eliana Calmon vai analisar os casos e disse que demitirá aqueles que se enquadram na resolução até terça-feira. No Tribunal Superior do Trabalho, há quatro parentes de diretores em cargos de comissão.

Discussão causa racha nas entidades de classe

O cumprimento da resolução abriu um cisma na magistratura brasileira, opondo os juízes de primeiro grau aos colegas de segunda instância. A briga pode provocar uma ruptura na representação de classe, com a criação de uma entidade destinada a defender os interesses dos desembargadores, muitos dos quais interessados no descumprimento da medida, à revelia da AMB. Uma de suas filiadas, a Associação dos Magistrados do Piauí, criou uma primeira fissura ao entrar com um pedido de liminar, em nome de seus desembargadores, pela manutenção do nepotismo naquele estado.

COLABOROU Chico Otavio