Título: O VERDADEIRO CUSTO DA GUERRA NO IRAQUE
Autor: Joseph E. Stiglitz
Fonte: O Globo, 12/02/2006, OPINIÃO, p. 7

As coisas mais importantes da vida ¿ como a própria vida ¿ não têm preço. Mas isso não quer dizer que questões referentes à preservação da vida (ou de um modo de vida), como a defesa, não possam ser tema de análise econômica fria e objetiva. Pouco antes da guerra no Iraque, quando o economista Larry Lindsey, do governo Bush, sugeriu que o custo poderia ficar entre US$100 bilhões e US$200 bilhões, outros altos funcionários logo discordaram. Por exemplo, Mitch Daniels, diretor do Departamento de Administração e Orçamento, estimou US$60 bilhões. Mas agora parece que Lindsey tinha sido muito otimista. Preocupado com a possibilidade de que o governo Bush estivesse enganando todos em matéria dos custos da guerra, como tinha feito com as armas de destruição em massa e a conexão com a al-Qaeda, fui estudar a questão com Linda Bilmes, especialista em orçamentos da Harvard. E mesmo nós, oponentes da guerra, ficamos estarrecidos com o que constatamos: as estimativas variavam de pouco mais de US$1 trilhão a US$2 trilhões. Nossa análise começa com os US$500 bilhões de que fala abertamente o Departamento de Orçamento do Congresso ¿ que já é dez vezes o que o governo dizia. É um número baixo porque não inclui os custos orçamentários completos, que, por sua vez, são apenas uma fração dos custos para a economia como um todo. Por exemplo, o governo Bush tem feito o que pode para esconder o imenso número de veteranos que retornam gravemente feridos ¿ 16 mil até agora, dos quais cerca de 20% com sérios ferimentos na cabeça. Assim, não surpreende que esses US$50 bilhões ignorem os custos por invalidez permanente e tratamento que o governo terá de pagar no futuro. E o governo também não quer encarar os problemas do recrutamento militar, que implica bônus maiores para o realistamento, mais benefícios e custos mais altos ¿ um crescimento de 20% só de 2003 para 2005. Além disso, a guerra provoca grande desgaste de equipamentos, que têm de ser substituídos. Esses custos orçamentários (afora os juros) atingem US$652 bilhões, na estimativa conservadora, e US$799 bilhões na moderada. Pode-se dizer que, como o governo não cortou outros gastos nem aumentou impostos, o financiamento proveio do déficit, e os juros sobre este déficit acrescentam US$98 bilhões (estimativa conservadora) a US$385 bilhões (moderada). É claro que o maior custo de ferimentos e morte é pago aos soldados e suas famílias. Mas os militares recebem bem menos do que o valor que deixam de receber. Da mesma forma, o que se paga por quem morreu não passa de US$500 mil, o que é muito menos do que a estimativa padrão do custo de uma morte por todo o tempo de uma vida, algo que às vezes é chamado de valor estatístico de uma vida (US$6,1 milhões a US$6,5 milhões). Há mais. O governo Bush já disse que a guerra no Iraque seria boa para a economia, tendo um porta-voz sugerido até que seria a melhor forma de segurar o preço do petróleo. As coisas se mostraram bem diferentes: as companhias de petróleo foram as maiores ganhadoras, enquanto as economias americana e global saíram perdendo. Isso atribuindo, muito por baixo, apenas US$5 ou US$10 do aumento do preço à guerra. Ao mesmo tempo, o dinheiro gasto na guerra poderia ter sido usado em outras coisas. Estimamos que, se parte dele tivesse sido investido internamente em estradas, escolas e pesquisa, a economia americana teria recebido um estímulo maior, a curto prazo, e cresceria mais rapidamente, a longo prazo. Em resumo, mesmo nossa estimativa ¿moderada¿ pode subestimar em muito o custo da guerra. E não inclui o preço da imensa perda de vida e bens no próprio Iraque. Não tentamos esclarecer se o povo americano foi deliberadamente enganado sobre os custos da guerra ou se o governo Bush subestimou os gastos por pura incompetência, como ele mesmo veementemente sustenta no caso das armas de destruição em massa. Nem tentamos avaliar se havia meios mais eficazes, em termos de custo, de fazer a guerra. Indicações recentes de que haveria muito menos mortes e ferimentos se os soldados tivessem recebido melhores armamentos sugerem que o barato a curto prazo sai caro a longo prazo. Certamente, quando o início da guerra é questão de opção, como neste caso, a preparação inadequada é ainda menos justificável. Mas essas considerações parecem estar fora do alcance do pensamento do governo Bush. Análises cuidadosas de custo-benefício de grandes projetos têm sido prática habitual no Departamento de Defesa e outras áreas do governo há quase meio século. A guerra do Iraque foi um imenso ¿projeto¿ e, no entanto, parece agora que a análise de seus benefícios estava profundamente equivocada e a de seus custos virtualmente inexistiu. Não se pode deixar de perguntar: não havia formas alternativas de gastar uma fração do custo de US$1 trilhão/US$2 trilhões que teriam sido melhores para fortalecer a segurança, promover a prosperidade e difundir a democracia?