Título: Fechando no vermelho
Autor: Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 12/02/2006, ECONOMIA, p. 29

Gastos do governo aumentaram 81% acima da inflação nos últimos dez anos

Dois estudos concluídos recentemente revelam detalhes dos gastos do Estado brasileiro que não aparecem nas estatísticas oficiais e jogam o holofote sobre um assunto fundamental para o desenvolvimento do país: o brutal arrocho promovido pela política de superávits primários recordes, que já acumulam R$255,5 bilhões na gestão Lula, é incapaz de tirar as contas públicas do vermelho. Na última década, só as despesas obrigatórias ¿ aquelas que a União não pode cortar ¿ cresceram 81,4% acima da inflação, passando de R$175 bilhões em 1995 para R$318 bilhões em 2005, mostra levantamento do economista Raul Velloso. O aumento das despesas correntes, combinado aos elevados compromissos com juros, representa uma armadilha para o próximo governo e merece o centro dos debates sobre a gestão pública na agenda econômica das eleições deste ano. Especialmente num país com caixa apertado e uma demanda social por serviços e investimentos gigantesca. ¿ O próximo governo terá que cortar na carne para melhorar as contas públicas ¿ afirma Velloso. No seu cálculo estão computadas as despesas com pessoal, com a manutenção da máquina, os benefícios da Previdência, despesas com saúde e os gastos na área social financiados pelo Fundo da Pobreza. Se consideradas apenas as despesas obrigatórias de custeio ¿ programas na área de saúde e na área social e de assistência, como o Bolsa Família ¿ o crescimento chega a 318,9% no período, pulando para R$23,5 bilhões. Os gastos com os benefícios da Previdência, por exemplo, cresceram 108,2% acima da inflação na década, passando a R$146 bilhões. Atendendo a demandas sociais, a despesa com os benefícios de um salário-mínimo para idosos e deficientes cresceu 559,6% entre 1995 e 2005. Esses benefícios também estão assegurados na Constituição. ¿ O que mais chama a atenção são as despesas da Previdência, que estão fora de controle. O déficit da Previdência dobrou em cinco anos. Passou de 1% do PIB em 1999 para 2% no ano passado ¿ observa Velloso. Para obter superávits elevados e fazer frente às despesas, o governo aumenta a carga tributária e corta os investimentos. O trabalho de Velloso mostra que a receita líquida cresceu 88,1% acima da inflação entre 1995 e 2005, enquanto os investimentos aumentaram apenas 9,4%, mantendo-se estacionados em relação ao PIB. ¿ Assistimos a uma explosão dos gastos correntes. Isso tem efeito positivo sobre a demanda de curto prazo, mas efeitos nocivos sobre o crescimento ¿ afirma o economista Fábio Giambiagi, do Ipea.

Despesa com a máquina sobe 28%

Giambiagi e o deputado Delfim Netto (PMDB-RJ) são autores de uma proposta de ajuste fiscal de longo prazo que provocou grande polêmica no ano passado, colocando em confronto os ministros da Fazenda, Antonio Palocci, e da Casa Civil, Dilma Rousseff. O estudo previa mudanças na Constituição para barrar o crescimento dos gastos obrigatórios, viabilizando um superávit primário ainda maior, que teria como meta eliminar o déficit das contas públicas. ¿ É fundamental que entre na agenda do país a limitação desses gastos ¿ diz Giambiagi. O governo mantém o discurso da austeridade, mas números mostram que as despesas com o custeio da máquina administrativa cresceram 28,62% em 2005, passando de 28,3 bilhões para R$36,4 bilhões. Na década, essas despesas subiram 55,3% acima da inflação. Levantamento feito no Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) mostra os maiores aumentos nesta área. Os gastos com pessoal terceirizado (segurança, limpeza, conservação e informática, por exemplo) cresceram 28,25% só em 2005, passando a R$1,754 bilhão. Isso levou a reboque outras despesas, como as de auxílio-transporte, que subiram 24,17% no ano passado. Materiais de consumo também absorvem cada vez mais: R$5,7 bilhões em 2005 (9,9%). Para o economista Raul Velloso, o próximo governo terá um desafio ainda maior no ajuste, já que a transição vai acontecer com inflação baixa. A inflação ajuda o governo a fazer o ajuste, pois as despesas são depreciadas e as receitas se mantêm: ¿ Essa novidade, que não se verificou na virada dos dois últimos mandatos, será o desafio em 2007.