Título: Tributação maior não cobre despesas com juros e déficit fiscal quase dobra
Autor: Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 12/02/2006, ECONOMIA, p. 30

ENXUGANDO GELO: ANALISTA DIZ QUE BRASIL VAI NA CONTRAMÃO DA RECEITA MUNDIAL

Resultado nominal do país pulou para 3,1% do PIB entre 2003 e 2005

BRASÍLIA. Uma análise mais apurada das contas públicas nos últimos três anos mostra que a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, tem razão ao afirmar que o governo está enxugando gelo. Os superávits recordes, obtidos com aumento da carga tributária e corte de investimentos, estão sendo consumidos pelos juros elevados, sem atingir um dos principais objetivos do ajuste fiscal, que é reduzir o déficit nominal ¿ descasamento entre receitas e despesas, já feito o pagamento dos juros da dívida. Ao contrário, este indicador, na média, se deteriorou fortemente entre 2003 e 2005, passando de 1,71% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto das riquezas produzidas no país) no triênio anterior para 3,1%. Um estudo dos economistas José Roberto Afonso e Beatriz Meirelles mostra que o resultado ruim foi causado pelo crescimento expressivo das despesas com juros da dívida. Em valores corrigidos, esse gasto passou de R$68,8 bilhões (4,13% do PIB) em 2000 para R$129 bilhões (6,68%) em 2005.

`São inevitáveis reformas da Previdência e administrativa¿

Entre 2000 e 2002 a União respondia em média por 44% do déficit nominal do setor público. O peso maior era dos estados e municípios. De 2003 a 2005, esse quadro se inverteu e a participação federal média no déficit pulou para 84%. A comparação dos dois períodos revela que o peso da União nos gastos com juros subiu de 49% para 71%. ¿ Enquanto os países da OCDE (ricos) fazem o ajuste fiscal com redução do gasto com juros e Previdência, o Brasil o faz com base no superávit primário e gasta 8,24% do PIB (considerando União, estados, municípios e estatais) com juros da dívida pública ¿ diz Beatriz. Mesmo com superávits primários (receitas e despesas, sem contar gastos com juros da dívida) recordes ¿ em 2005 chegou a 4,84% do PIB, sendo 2,88% produzidos pela União ¿ as contas públicas caminham na contramão do receituário internacional. O déficit nominal do governo central (que inclui Tesouro e Banco Central) cresceu três pontos percentuais do PIB nos últimos três anos, na comparação com o resultado de 2002. Pulou de 0,75% para 3,79%. Afonso acha que o maior problema das contas públicas é a combinação perversa de gastos correntes em expansão com alta conta de juros. Para ele, é preocupante o avanço dos gastos no fim de 2005, estimulado pela obtenção de superávit primário acima da meta de 4,25% do PIB: ¿ Aquele erro de diagnóstico está dando margem a uma farra fiscal em que se tomam decisões que elevarão os gastos, inclusive permanentes como Previdência, salários e subsídios. No futuro, serão inevitáveis reformas, da administração pública à Previdência, tão mais profundas quanto mais se errar a mão no presente. Para o economista Antonio Lacerda, professor da PUC-SP, o desequilíbrio das contas públicas vai continuar enquanto o país tiver política econômica fragmentada. Ele diz que falta coordenação na área econômica e não há visão de conjunto: ¿ O BC só tem compromisso com meta de inflação e se preocupa apenas em calibrar a politica monetária apertada. A Receita só tem compromisso com a arrecadação, não com a competitividade do país. Com tanta falta de coordenação, o esforço grande do país com superávits recordes vai por água abaixo.

`Precisa mexer nas políticas monetária e cambial¿

Para Lacerda, o país mostra capacidade de gerar superávits muito expressivos para uma nação em desenvolvimento, mas as contas continuam desequilibradas pois é preciso fazer mudanças na política econômica: ¿ É preciso reduzir gastos, mas o ajuste não virá só com mudanças fiscais. É preciso ter coragem para mexer nas políticas monetária e cambial.