Título: Mesquitas nunca estiveram tão cheias
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Fonte: O Globo, 12/02/2006, ECONOMIA, p. 37

Apesar do frio e da neve, o fluxo de muçulmanos para a mesquita Bilal, em Wedding, no centro de Berlim, quinta-feira, era mais intenso do que nunca. A Bilal é uma das três grandes mesquitas de Berlim, que já não são suficientes para abrigar os muçulmanos que vêm rezar quintas e sextas. O imã Cafer Sadik diz que desde que as charges de Maomé foram publicadas, a necessidade de orar dos 234 mil muçulmanos de Berlim é maior. Wedding é um bairro de alta concentração de imigrantes islâmicos. No tempo do Muro de Berlim, ficava ao lado dele, onde havia aluguéis mais baratos. Hoje o maior problema do bairro é o desemprego. Os líderes das mesquitas de Berlim procuraram acalmar a situação nas pregações dos últimos dias. ¿- Aqui não vamos semear o ódio ¿ afirma Sadik. Os visitantes da mesquita reagem irritados quando vêem jornalistas em busca de informação. O debate público nos últimos dias causou preocupação aos cerca de dois milhões de muçulmanos da Alemanha. Na Baixa Saxônia, no norte do país, um político conservador sugeriu o uso de algemas eletrônicas por três mil muçulmanos suspeitos de simpatizarem com a al-Qaeda. Em Baden Württemberg, no sul, muçulmanos são submetidos a sabatinas. A idéia do governo do estado é saber até que ponto os muçulmanos estão dispostos a desobedecer o Alcorão para respeitar a Constituição alemã. Segundo eles, há alguns pontos de conflito. O clima de tensão já é sentido também entre os organizadores da Copa do Mundo. ¿ Mesmo quem não é radical sente de repente a necessidade de rezar e do contato com outros muçulmanos, porque o abismo entre os muçulmanos e os alemães nunca foi tão grande ¿ diz Chaban Salih, de 29 anos. Segundo ele, que dirige o Instituto Inssan, de interação cultural dos muçulmanos em Berlim, a vida de um islâmico na Europa tornou-se mais difícil. Mesmo em Berlim, cidade conhecida pela tolerância, eles se sentem mais discriminados nas últimas semanas. ¿ Sentimo-nos ofendidos com a publicação das charges, mas acho que os muçulmanos que vivem em Berlim seriam incapazes das ações violentas que acompanhamos nos últimos dias pela TV ¿ diz Salih.

Reformadores querem fim de tabus no Islã

Mas há no ar um clima de perplexidade. Começou a surgir a pressão por uma postura mais enérgica contra os jornais que publicam as charges vistas por eles como ofensivas. Por outro lado, há também os dissidentes muçulmanos, que exigem uma reforma, mesmo em relação a Maomé. Ayaan Hirsi Ali, imigrante africana que é deputada no Parlamento holandês, exigiu, numa entrevista em Berlim quinta-feira, que os ocidentais deixassem de ¿ser covardes¿ diante das ditaduras muçulmanas. Segundo ela, há nos países islâmicos um grande número de pessoas, mesmo entre as religiosas, que querem mais tolerância. Ali, que era aliada de Theo van Gogh, cineasta holandês assassinado por um radical islâmico, exigiu que mais jornais reproduzam as charges para acabar definitivamente com o tabu.