Título: Reações marcadas pelo sentimento de injustiça
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Fonte: O Globo, 12/02/2006, ECONOMIA, p. 37

O governo britânico até que agiu rapidamente e condenou, já na semana retrasada, a decisão de veículos de imprensa europeus de reproduzir as polêmicas charges do profeta Maomé ¿ que, por sinal, não foi seguida pela mídia do Reino Unido. Isso não impediu que uma manifestação de muçulmanos cercasse a embaixada da Dinamarca em Londres, no dia 3, e que cartazes exaltando atos extremistas, incluindo os atentados de 7 de julho, chocassem a opinião pública. Outra manifestação estava prevista para ontem, mas entidades muçulmanas passaram a semana avisando que o evento serviria também para mostrar o repúdio da comunidade a protestos violentos. Ainda assim, a polêmica deixou irritados os muçulmanos do Reino Unido, sobretudo diante de declarações como a de David Davies, do Partido Conservador, de que as charges deveriam ser aceitas como exemplo de liberdade de opinião. ¿ A intervenção do governo ajudou a aplacar um pouco os ânimos, mas não concordo com o argumento da liberdade de expressão. Parece-me uma maneira hipócrita de justificar uma ofensa ao Islã que em nada vai ajudar na convivência diária ¿ afirma o ativista político Anas Altikriti, ex-presidente da Associação Muçulmana Britânica.

BBC ignora protestos contra musical sobre Jesus

Altikriti, uma voz moderada da comunidade muçulmana britânica (de 1,6 milhão de pessoas), ressalta que, apesar da condenação do governo, há um forte sentimento de injustiça entre os seguidores da religião no país. Ele cita como exemplo o caso de Nick Griffin, líder do partido de extrema-direita BNP, absolvido de acusações de incitação racial. Entre o público, as reações estão divididas ao ponto de a BBC ser criticada por não exibir mais do que rápidas imagens das charges ao mesmo tempo em que ignorou os protestos de grupos cristãos contra a exibição de ¿Jerry Springer: The Opera¿, musical em que Jesus e Maria participam de um talk show popularesco. Na quarta-feira, líderes de muçulmanos, numa reunião em Birmingham, pediram ao governo a proibição da publicação de imagens de Maomé. Mas o premier Tony Blair disse que não cabia às autoridades dizer o que a mídia pode ou não fazer. Por enquanto, o único jornal a publicar as charges foi o da Universidade de Gales, em Cardiff, mas a tiragem de 8 mil exemplares foi recolhida. O debate só fez esquentar as discussões sobre o pacote de leis contra discriminação religiosa que Blair tem tentado, sem sucesso, aprovar. ¿ Uma coisa é fazer críticas construtivas. Mas associar o profeta Maomé ao terror é sem fundamento, pois assassinato é um dos mais graves pecados em minha religião ¿ discorda a programadora Farah Zaman. Farah se diz irritada com atitudes como a de Omar Khayam, que na passeata de Londres se fantasiou de homem-bomba. Tampouco considerou justificadas as reações violentas no Oriente Médio, que a levaram a participar da criação de um website com um pedido de desculpas a dinamarqueses e noruegueses (www.sorrynorwaydenmark.com). No entanto, houve também o surgimento de diversas comunidades no site de relacionamentos Orkut que traziam de palavrões a pedidos de uma jihad (guerra santa) contra países do Ocidente.