Título: MONOPÓLIO DO LEITE
Autor: Xico Graziano
Fonte: O Globo, 14/02/2006, OPINIÃO, p. 7

Acabou um dos últimos monopólios do país: o Leve Leite. Desde quando foi criado, há 12 anos, apenas um grande fornecedor nutria o programa da prefeitura de São Paulo. Agora, milhares de produtores rurais, organizados numa forte cooperativa, abastecem o leite das crianças carentes. Quem vencia as licitações públicas para compra de leite em pó era sempre o mesmo empresário, primeiro com a Nutril, depois com a Tangará Importadora e Exportadora. Ninguém duvidava do jogo de cartas marcadas. Formou-se o monopólio do leite. Quando José Serra assumiu a prefeitura, alterou a regra da licitação para compra do leite. Dividiu a cidade em quatro lotes. Exigiu que o fornecedor distribuísse diretamente o leite nas escolas. Abriu os envelopes: três lotes foram adjudicados para a Itambé. A Tangará esperneou. Tentou buscar velhos comparsas, recorreu ao Tribunal. Perdeu. Concorrência é sempre bem-vinda. Verificou-se uma economia fantástica: no velho esquema, cada quilo de leite custava R$9,00 aos cofres públicos; com a nova licitação, o preço médio caiu para R$5,94. Incrível. Incluindo na conta o leite destinado à merenda escolar, a economia total alcança R$47,4 milhões. Parabéns. Foi o prefeito Serra que acabou com o monopólio. Mas o grande herói dessa história, como sói acontecer, permanece oculto. Chama-se Jorge Rubez, presidente da Leite Brasil, entidade que representa a cadeia produtiva, aglutinando produtores, cooperativas e laticínios. É um lutador. A Leite Brasil denuncia o esquema torto do Leve Leite desde 1995, quando Paulo Maluf ocupava a prefeitura paulistana. Quando Pitta assumiu, em 1997, nada mudou. Era esperado. Jorge Rubez estrilou pela imprensa: o programa da prefeitura pagava mais caro que a gôndola do supermercado. Acabou processado por calúnia, arquivado por falta de provas. Aquietou-se. Ao Marta Suplicy vencer, em 2000, tudo parecia mudar. Seu compromisso político de rever o esquema corrupto do Leve Leite, todavia, não resistiu ao encanto da moeda ordinária. O PT comeu no mesmo coxo que alimentou Maluf e Pitta. Jorge Rubez seguiu em frente, denunciando que os produtores nacionais de leite estavam preteridos pelas importações. Desconfiava-se, até, que a mercadoria trazida do exterior era destinada à mistura de rações para animais. Rubez se sentiu personagem de Kafka. Os petistas fingiram de morto e o negaram. De acusador, terminou investigado. Temeroso, já meio cansado e desiludido, retraiu-se. Mas não desanimou. Hoje o guerreiro está de alma lavada. Finalmente apareceu um calabrês decidido a enfrentar o monopólio do Leve Leite. Mas o paulista Jorge Rubez ainda não se agradou totalmente. Acontece que a grande vencedora da licitação tem origem mineira, não paulista. Rivalidade antiga. Itambé é nome de fantasia da Coo-perativa Central dos Produtores Rurais de Minas Gerais. Sua origem remonta os idos de 1944, quando o governo estadual instalou a histórica Usina Central de Leite. Bons tempos! Em 1956 surgiu a Cooperativa Central, que hoje aglutina 26 cooperativas de produção espalhadas pelo território mineiro. Representam 6.500 produtores rurais, pequenos fornecedores de leite, que encontram na Itambé seu canal de comercialização. Um exemplo de eficiência e profissionalismo. São Paulo também constituiu, nesse período, sua Cooperativa Central de Lacticínios, marca Paulista. Mas a atividade leiteira de São Paulo decaiu na última década. A produção agora, cerca de 1,8 bilhão de litros/ano, representa pouco mais de 20% do consumo total. Em decorrência, os paulistas "importam" leite, principalmente de Minas Gerais, Goiás e Paraná. A despeito do bairrismo, moção pública da Leite Brasil elogia fartamente o prefeito de São Paulo. Ele matou dois coelhos numa só cajadada: acabou com o superfaturamento do leite e valorizou o produtor nacional. Como sonhavam os velhos comunistas, fez-se a aliança entre os operários e os camponeses. Sem imaginar, o citadino Serra virou ídolo da turma da roça.