Título: NÃO AO NEPOTISMO
Autor:
Fonte: O Globo, 14/02/2006, OPINIÃO, p. 6

A capacidade de engendrar formas de fazer uso privado do bem público é uma das piores facetas da sociedade brasileira. E entre todas as modalidades dessa distorção patrimonialista, uma das mais daninhas é o nepotismo, do qual partem os trens da alegria repletos de parentes, despachados rumo a empregos na máquina do Estado, quase sempre bem remunerados, à custa do contribuinte. O vício pode ser detectado nos três poderes. Mas no Judiciário ele proliferou com rara produtividade. Levantamento publicado domingo pelo GLOBO -----mesmo sem ser completo, por dificuldades óbvias na obtenção das informações ---- constatou a existência de 1.148 parentes de magistrados ocupando cargos de confiança nas justiças estaduais. Essa mancha na imagem do Poder Judiciário pode começar a ser removida esta semana. A depender do Supremo Tribunal Federal, que deverá julgar na quinta-feira uma ação direta de constitucionalidade impetrada pela Associação dos Magistrados Brasileiros, AMB, a favor da resolução antinepotismo baixada pelo Conselho Nacional de Justiça. É uma batalha decisiva, em que está em jogo o próprio futuro do CNJ, criado recentemente pela reforma do Judiciário em fase de aprovação no Congresso para regular a ação de juízes e tribunais. Se o Supremo não referendar a resolução, o Conselho não conseguirá se impor junto ao magistrado, como é imprescindível. Será como ter parte do poder cassado logo na primeira medida importante que tomou. A resistência à norma moralizadora - que sequer é draconiana - reflete-se numa corrida aos tribunais para sustar a determinação do conselho. O CNJ estabeleceu um prazo - esgota-se hoje - para a exoneração dos parentes, e contra ele houve uma enxurrada de pedidos de liminares. A Justiça de Minas é recordista nesse movimento pró-nepotismo, com 177 liminares obtidas. Depois vêm o Paraná (82) e o Rio de Janeiro (79). A divisão entre os magistrados é grande. Enquanto a AMB se coloca a favor do CNJ, no Piauí, por exemplo, a associação de juízes local ficou do lado do nepotismo. Especula-se que o Supremo Tribunal Federal poderá votar por unanimidade pela constitucionalidade do ato do conselho, uma forma de marcar a posição de apoio ao novo organismo da Justiça. Será um gesto bem-vindo.