Título: A MULTIPLICAÇÃO DO GÁS DA BOLÍVIA
Autor: Ramona Ordonez, Mirelle de F., Mônica T. e Eliane
Fonte: O Globo, 14/02/2006, ECONOMIA, p. 10

Gasto será o dobro em importação e 900% maior em taxas. Conta chegará ao consumidor

A Petrobras vai praticamente dobrar os gastos com as importações de gás natural da Bolívia este ano. Mas, dentro dessa conta, um gasto específico dará um salto muito maior: o dinheiro que a estatal brasileira vai despender com royalties e participações especiais (taxas) pagas ao governo boliviano será até 900% maior. Segundo estimativas do diretor de Energia e Gás da Petrobras, Ildo Sauer, em 2006 a companhia gastará de US$1,2 bilhão a US$1,5 bilhão com as importações do gás da Bolívia, ou até 114% mais que os cerca de US$700 milhões em 2005. Já os pagamentos com os tributos subirão de um patamar de US$60 milhões a US$70 milhões para US$700 milhões. Esse forte aumento nos gastos com royalties e outros tributos - pagos pelas empresas produtoras do gás na Bolívia, incluindo a maior delas, a Petrobras - deve-se à nova lei de hidrocarbonetos (petróleo e gás) aprovada em meados do ano passado, e que foi ratificada pelo novo governo de Evo Morales. Mas a decisão de investimentos da Petrobras na Bolívia é uma estratégia comercial: a expansão das compras, garantem técnicos do governo, não é motivada por questões políticas. O fato é que o Brasil é extremamente dependente do gás boliviano.

Preços subiram no exterior

O diretor da Petrobras também atribui o acréscimo dos gastos a dois fatores: o aumento dos preços internacionais do gás natural, puxados pelas cotações do petróleo, e a maior quantidade que deve ser importada pelo Brasil este ano. Em 2006, a expectativa é que a Petrobras importe cerca de 27 milhões de metros cúbicos por dia de gás natural, contra 23 milhões de metros cúbicos em 2005. Nos dois casos, é quase metade do consumo no Brasil. No segundo semestre de 2005, a Bolívia aumentou os preços cobrados do Brasil de US$2 por milhão de BTUs (unidade de medida do gás natural) para US$3. A Argentina continua pagando US$2, mas a diferença não deve durar muito: novas cifras já estão em negociação. Os aumentos de custos já vêm sendo repassados aos consumidores no Brasil. De setembro a janeiro, a Petrobras reajustou os preços em cerca de 42% - e a partir deste ano os aumentos serão trimestrais. Os estados mais afetados são os do Sul e São Paulo, que consomem o gás boliviano. O Estado do Rio é praticamente todo abastecido pelo gás da Bacia de Campos. Sauer garante que ainda é vantagem comprar o gás da Bolívia: - O gás natural, que está custando cerca de US$30 o barril, só poderia ser substituído pelo GLP, que está custando US$60. Com os atuais preços do petróleo no mercado internacional, qualquer oferta de gás na América Latina, seja da Bolívia ou da Argentina, é melhor do que qualquer outro produto. Para o especialista Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), não será fácil diminuir a dependência do gás natural importado da Bolívia. Segundo ele, apenas em 2008, quando as descobertas dos campos gigantes de gás na Bacia de Santos começarem a dar resultado, é que o Brasil poderá respirar mais aliviado: - Até lá, será complicado e a Petrobras terá de arcar com esse prejuízo do gás importado. A demanda vem crescendo muito no país, em média 15% ao ano, e não é tão simples aumentar a produção. Nos próximos dez anos, a Petrobras e seus sócios deverão investir cerca de US$18 bilhões na expansão da exploração e da produção na Bacia de Santos. A Petrobras está acelerando a entrada em produção do campo gigante de Mexilhão, de gás, em Santos. A previsão é que o campo comece a produzir 13 milhões de metros cúbicos por dia a partir de 2008. As importações do gás boliviano estão em curva ascendente e técnicos do governo acreditam que deverão atingir, ainda este ano, 30 milhões de metros cúbicos por dia - patamar máximo previsto para 2019, quando termina o contrato em vigor entre Brasil e Bolívia. De acordo com uma fonte do governo brasileiro, se isso acontecer, os dois países terão de fazer um novo contrato. Diante da demanda crescente pelo produto, as compras estão, atualmente, entre 25 milhões e 26 milhões de metros cúbicos por dia. Essa fonte explicou que quanto mais a Petrobras compra gás da Bolívia, mais impostos paga ao governo boliviano. A carga tributária (sem contar imposto de renda, por exemplo) está em 50% do valor da compra, incluindo royalties e outros tributos. Assim, o dinheiro das importações é pago diretamente à Petrobras boliviana e a outros fornecedores. O Brasil também importa um volume pequeno da Argentina.