Título: O PIOR DOS MUNDOS
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 15/02/2006, O PAÍS, p. 4

Em vez de ficar tentando desmoralizar a pesquisa do CNT/Sensus que mostrou Lula subindo na preferência do eleitorado, a oposição deveria definir logo seu candidato e expô-lo, e as suas idéias, ao veredicto da opinião pública. Não faz o menor sentido apontar suspeitas na pesquisa, sob a alegação de que ela foi encomendada pelo presidente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), Clésio Andrade, que foi sócio do lobista Marcos Valério, o operador do mensalão. Quando a pesquisa da CNT em novembro mostrou Serra em primeiro lugar, ninguém se lembrou desse passado de Clésio, nem que, no presente, ele é nada mais nada menos que o vice do governador de Minas, Aécio Neves, um dos capas-pretas do PSDB que vão escolher o candidato do partido. Antes de desqualificar a pesquisa, a oposição alegava, no site que o prefeito do Rio, Cesar Maia, usa para se pronunciar, que ela não significava grande coisa porque, historicamente, de dezembro de um ano a fevereiro do ano seguinte, sempre as avaliações dos governos melhoram. "Numa série de dez anos - excluindo anos em que neste período ocorreu um fato relevante - se pode observar que é sempre assim", garantia a análise. O que deveria preocupar mesmo os tucanos e o PFL é que algumas simulações indicam que o presidente Lula pode até mesmo ganhar no primeiro turno, devido à combinação de candidatos. Quanto mais candidatos, melhor para a realização de segundo turno, e nesse caso a eventual manutenção da verticalização pode reduzir o número de concorrentes, favorecendo Lula, que ficou contra ela para agradar o PMDB. Mas só há segundo turno quando o candidato do PSDB é José Serra e o do PMDB é Garotinho. Mesmo com Garotinho no páreo, quando o candidato tucano é o governador Geraldo Alckmin, Lula vence no primeiro turno, porque Alckmin não sai da faixa de 18%. Quando o candidato do PMDB é o governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto, ele recebe míseros 2,5% de intenções de voto, e ajuda Lula a ganhar no primeiro turno, o que reforça a pregação de Garotinho de que a candidatura de Rigotto é "laranja" de Lula, inflada pelos governistas do PMDB na impossibilidade de unirem-se oficialmente à chapa de Lula. O cientista político Sérgio Abranches já havia detectado, de maneira indireta, a posição dos eleitores de Rigotto mais próxima a Lula. Analisando as pesquisas, ele constatou que, na média nacional, 36% avaliam positivamente o desempenho de Lula. Entre os que apóiam Lula, esse percentual chega a 71%, mas nos que votam em outros candidatos, esse percentual cai fortemente. Entre os eleitores de Serra e de Alckmin, é de 16%. Dos que preferem Garotinho, apenas 21% avaliam Lula positivamente. Entre os que preferem Rigotto, a avaliação positiva chega a 28%, a mais alta, e entre os eleitores de Heloisa Helena, bate em 23%. A avaliação líquida de Lula entre os "lulistas" é quase unânime, constata Abranches, enquanto entre os "não-Lula", "está muito abaixo da média nacional e é negativa para todos, exceto entre os simpatizantes de Germano Rigotto, ficando ligeiramente positiva". O fato é que tanto Rigotto quanto Alckmin têm uma dura aposta à frente: convencer seus pares de que crescerão durante a campanha eleitoral. A questão do PMDB é mais complexa, como são todos os movimentos políticos daquele partido. O candidato mais viável até o momento é Garotinho, que desagrada aos caciques partidários. Com Lula crescendo na preferência dos eleitores, os governistas do PMDB ganham força, e se essa tendência permanecer até junho, data limite das convenções oficiais partidárias, é possível que tenham condições de impor uma mudança de estratégia para apoiar Lula oficialmente. Para que isso não aconteça, o vencedor das prévias de março deverá mostrar a capacidade de crescimento de sua candidatura, se não para vencer, pelo menos para disputar com chances, o que impediria a ação dos governistas contra a candidatura própria. Uma candidatura competitiva no primeiro turno, que não seja a de Garotinho, talvez seja a solução mais favorável ao estilo peemedebista para negociações no segundo turno. Quanto ao PSDB, tudo indica que a possibilidade de acordo com Garotinho começará pela prévia, com os peemedebistas ligados aos tucanos, que são praticamente a metade do partido, ajudando na vitória de Garotinho para inviabilizar as negociações dos governistas. Essa parceria, que começou a ser costurada quando, no fim do ano passado, o ex-presidente Fernando Henrique telefonou ao ex-governador para desejar-lhe feliz ano novo, pode evoluir num eventual segundo turno dos tucanos contra Lula. Outro dado fundamental da pesquisa CNT/Sensus é o que mostra o voto espontâneo em Lula na casa dos 30%, quando em novembro ele era de 19,4%. O voto espontâneo é o considerado praticamente certo, dado pelo pesquisado sem a ajuda da lista que o apresentador mostra em seguida, com base na qual é contabilizada a votação final. Para comparação, o prefeito José Serra está no patamar de 10%. Se confirmado por outras pesquisas, esse seria o piso do presidente Lula nesse momento, o que o coloca como franco favorito. Uma leitura dos resultados mais otimista do ponto de vista dos tucanos é a que mostra que Lula na verdade cresceu em cima dos indecisos, enquanto Serra apenas oscilou na margem de erro da pesquisa, de três pontos para mais ou para menos. Lula subiu dez pontos, enquanto Serra perdeu 3,9. Os indecisos e os que votariam branco ou nulo somam 14,9%, contra 21% da pesquisa anterior, ou seja, seis pontos percentuais menor. Se tirarmos três pontos de cada um dos candidatos, a diferença entre os dois fica próxima de oito pontos percentuais, mais ou menos a redução dos indecisos, brancos e nulos. O PSDB está no momento no pior dos mundos: tem em José Serra um candidato competitivo, que teria que fazer um sacrifício pessoal enorme para encarar essa disputa. E tem o governador Geraldo Alckmin, que pode vir a ser competitivo, mas, se não decolar, pode também ajudar Lula a vencer no primeiro turno.