Título: Além das cifras
Autor:
Fonte: O Globo, 16/02/2006, OPINIÃO, p. 6

O setor de saúde sofre de crônica falta de recursos, alardeiam seus porta-vozes. Mesmo que no Orçamento de 2006, ainda a ser aprovado, haja uma dotação de cerca de R$30 bilhões para a área, mais de 1% do PIB - e ainda venham a se somar a essa cifra os gastos dos estados e dos municípios - as demandas por mais dinheiro só fazem aumentar. Do ponto de vista do usuário e dos profissionais que trabalham no ramo o diagnóstico da falta de recursos é indiscutível. Pois são visíveis a penúria e a precariedade. O setor, desde a Constituição de 88, conta com o Sistema Único de Saúde, o SUS, criado para universalizar o atendimento e permitir a irrigação de todo o sistema por verbas públicas. Depois, em 2000, foi aprovada a emenda constitucional 29, ainda não regulamentada, para vincular uma parcela dos orçamentos federal, estaduais e municipais à saúde. Foi estabelecido que a União, de 2000 a 2004, teria de aplicar no setor 5% a mais a cada ano sobre o montante do período anterior, corrigido pela variação nominal do PIB. Aos estados estabeleceu-se o mínimo de 12% dos seus orçamentos e aos municípios, 15%. Os defensores da vinculação consideravam ter resolvido a questão do financiamento à saúde. E achavam que a medida valia a pena, mesmo à custa do engessamento dos orçamentos, da falta de margem de manobra que viriam a ter os administradores para criar políticas públicas e rever ênfases nos gastos. Mesmo assim, a falta de dinheiro continua. Há, é verdade, governos que usam de artifícios para não cumprir a determinação constitucional, até para financiar programas assistencialistas com fins eleitoreiros. Mas o problema parece ser mais profundo. Tem a ver com a competência - ou a falta dela - com que esses bilhões são gastos. Há iniciativas inovadoras como as do estado e do município de São Paulo, de uso da gestão privada, que deveriam ser testadas em outras regiões. O Rio planeja usar modelo semelhante num hospital público. Enfrenta séria resistência das corporações. Prova de que as mazelas da saúde pública vão além dos orçamentos.