Título: AVANÇOS CIENTÍFICOS
Autor: Miguel Ângelo Padilha
Fonte: O Globo, 16/02/2006, OPINIÃO, p. 7

Neste mês de fevereiro, todas as atenções da oftalmologia mundial estarão voltadas para o Brasil. De 19 a 24, pela primeira vez na América Latina, estará transcorrendo em São Paulo o World Ophthalmology Congress, após o último realizado há quatro anos em Sidney, Austrália, e os próximos já agendados para Hong Kong e Berlim. Reunindo mais de 10 mil especialistas, 160 das maiores empresas farmacêuticas e fabricantes de equipamentos oftalmológicos, 43 organizações não-governamentais (ONGs) de combate à cegueira, quase 3 mil palestrantes de 115 países estarão apresentando um gigantesco balanço de todos os avanços que estão ocorrendo nos mais diversos centros de pesquisas espalhados pelos cinco continentes, bem como antecipando quais novos recursos estarão disponíveis nestes próximos anos para os que ainda sofrem de doenças oculares até agora sem solução. Ao se fazer uma retrospectiva do significado deste megaevento, chegamos ao mais primitivo relato de doenças oculares de que se tem notícia através do livro "Samhita Uttara Tantra", escrito pelo indiano Susruta, provavelmente no ano 1.500 a.C. Nele vamos encontrar a descrição de algumas técnicas cirúrgicas bastante rudimentares, como a da declinação e que, por mais incrível que possa parecer, foi utilizada de forma rotineira por mais de três mil anos para a extração da catarata e ainda continua sendo empregada em algumas regiões remotas da África. Simplesmente os cirurgiões empurravam para o interior do olho aquela massa branca que aparecia na "menina dos olhos" e que eles interpretavam como a responsável pela perda da visão de seus portadores. Apenas em meados do século XVIII se inicia um gradual processo de transformação da oftalmologia em uma ciência, quando o médico francês Jacques Daviel apresenta em Marseille, perante a corte francesa, uma nova concepção cirúrgica para a remoção da catarata. Apesar dos esforços despendidos ao longo do século XIX, os avanços progridem muito lentamente e, somente a partir do século passado, graças principalmente ao advento de microscópios especiais, as delicadas estruturas intra-oculares começam a ser mais bem identificadas com uma compreensão mais clara da função de cada uma delas, inclusive o próprio mecanismo visual como decorrente de um fenômeno do córtex cerebral, além do reconhecimento mais apurado das patologias oculares, a introdução de técnicas cirúrgicas mais elaboradas e o desenvolvimento de instrumentos cirúrgicos mais condizentes com uma verdadeira cirurgia ocular. Mas é a partir dos anos 70 que finalmente a oftalmologia começa a evoluir de forma sistemática. Novos e fascinantes horizontes se abrem para que a humanidade comece a desfrutar de novos recursos para o tratamento de catarata, glaucoma, diversas doenças vitro-retinianas, uveítes, correção da miopia, hipermetropia, astigmatismo, novas gerações de lentes de contato. Sem dúvida alguma, a oftalmologia foi uma das áreas da medicina que mais se beneficiaram das vantagens do laser, ao introduzir seus diversos tipos nos tratamentos de descolamento de retina, retinopatia diabética, tromboses vasculares retinianas, tumores, glaucoma, cataratas secundárias etc. A quantidade de conhecimentos acumulados passa a crescer em uma escalada vertiginosa e, graças à sua disseminação universal, principalmente por conta dos computadores e da Internet, faz com que os grandes centros oftalmológicos antes concentrados em uns poucos países hoje se espalhem por quase todo o mundo. Neste contexto, o Brasil se coloca em uma posição de vanguarda ao fazer pela primeira vez na América Latina as primeiras cirurgias de catarata pelo método da facoemulsificação em 1975, os implantes flexíveis de cristalino artificial de câmara posterior em 1978, as primeiras cirurgias refrativas em 1981. Seus especialistas se destacam também nos campos de glaucoma, uveítes, retina, cirurgia plástica ocular, lentes de contato, além de uma pujante produção de trabalhos científicos e livros didáticos que nada ficam a dever a outros grandes centros internacionais. Sob a égide de duas fortes entidades nacionais congregando especialistas espalhados por todo o país, o Conselho Brasileiro de Oftalmologia e a Sociedade Brasileira de Oftalmologia cumprem de forma invejável os papéis catalisadores deste aprimoramento científico, ético, social e cultural. Por estes e muitos outros méritos, nosso país mereceu sediar, pela primeira vez na América Latina, o Congresso Mundial de Oftalmologia. Baseados na nossa experiência pessoal como partícipe ativo do muito que ocorreu nestes últimos trinta anos, não temos dúvida de que algumas doenças oculares serão definitivamente controladas ou curadas em breve, enquanto novas abordagens científicas, tecnológicas, econômicas permitirão disponibilizá-las para vastos contingentes populacionais ainda sem acesso a tais avanços. Este é um dos objetivos maiores deste magnífico evento que ora se realiza em nosso hemisfério. Há 3.500 anos, Susruta deu o primeiro passo ao tentar transmitir às futuras gerações o pouco que até então se conhecia. Agora, durante o World Ophthalmology Congress, o muito que se conhece deverá ser compartilhado integralmente com toda a comunidade científica do planeta, para que continuemos zelando pelo bem mais preciso do ser humano: o sentido da visão.