Título: A difamação travestida de informação
Autor: Osias Wurman
Fonte: O Globo, 17/02/2006, OPINIÃO, p. 7

São três os pilares que sustentam a Humanidade, segundo os sábios do judaísmo. Aplicados ao debate sobre a liberdade de expressão, que domina, neste momento, os principais centros de opinião mundial , trazem uma ampla visão do equilíbrio que deve haver entre direito e dever. Verdade é a matéria-prima de qualquer órgão de imprensa, falada, escrita ou televisiva, que deseja exercer o direito inalienável de livremente expressar suas idéias. Justiça é o poder maior que coloca o divisor de águas entre o que informa e o que difama. Paz é o produto final da mistura dos dois primeiros itens e que traz o equilíbrio para o tripé. Baseados nesta verdade é que tomamos a iniciativa recente de encaminhar representação junto à Procuradoria Geral de Justiça do Rio de Janeiro contra a editora do livro "Protocolos dos Sábios de Sião", que foi acatada pela Justiça Criminal. Vale lembrar que a obra em questão é uma montagem falsificada e mentirosa, encomendada pela polícia secreta do czar Nicolau da Rússia, para ser usada como justificativa aos rompantes anti-semitas que precediam os famigerados e sanguinários pogroms do ditador russo. Obras que historiam as épocas mais nebulosas da História, mesmo que os personagens principais não mereçam ser lembrados, devem ser produzidas livremente para que sirvam de informação e cultura a nossos cidadãos. Mas este não é, certamente, o caso do livro "Minha Luta", de Adolf Hitler, por ser panfletário, racista e indesejável - uma manifestação ordinária em favor da segregação entre seres humanos. Um exemplo de liberdade de expressão usada fora dos limites da justiça foi o jornal "Der Sturmer" - O Tufão - criado e dirigido pelo alemão Julius Straicher no final dos anos 20, que muito antes do nazismo já caricaturava os judeus alemães nas formas mais indignas e deploráveis. Os historiadores não negam a importância da malignidade provocada na opinião do povo alemão pela ampla divulgação dos "Protocolos" e do jornal de Straicher, que posteriormente foram adotados pelos nazistas como instrumentos de destruição moral de seus eleitos inimigos. Aqui no Brasil, no ano passado , um episódio misto de violência e intolerância demonstrou o perigo de estarmos indiferentes à difamação travestida de informação. Um grupo de dez "skinheads", o grupo neonazista conhecido por suas cabeças raspadas, atacou três jovens judeus no centro de Porto Alegre, causando graves ferimentos no mais jovem deles. A polícia gaúcha foi eficiente e, em menos de 24 horas, prendeu quatro dos agressores, sendo que em suas residências apreendeu farto material racista, onde se encontravam "Os Protocolos" e apostilas com as caricaturas anti-semitas. No caso das caricaturas publicadas do profeta Maomé, estamos lamentando a verdadeira guerra entre os que defendem a liberdade de imprensa e os que desejam a preservação da inviolabilidade dos valores religiosos a toda força. É urgente achar um lugar-comum para ambos os pleitos, que convergem na essência: liberdade e religião. A melhor colocação para a complexa polêmica atual vem do nosso Rui Barbosa, quando em um de seus artigos definiu: "Imprensa e liberdade, jornalismo e consciência são termos de uma só equação. Onde a manifestação de consciência não for independente, não há jornalismo. Onde a imprensa existir, a independência no escrever é irrecusável." Já em seu discurso intitulado "Palavras à Juventude", Rui deixa clara a sua concordância com o controverso em questão, onde se coloca a importância da inviolabilidade da religião, ao menos, no mesmo nível do direito da livre expressão: "Desde 1876 que eu escrevia e pregava contra o consórcio da Igreja com o Estado; mas nunca o fiz em nome da irreligião: sempre, em nome da liberdade. Ora, liberdade e religião são sócias, não inimigas. Não há religião sem liberdade. Não há liberdade sem religião." Importante fixarmos estes conceitos, de um dos mais brilhantes filhos da pátria brasileira, como diretrizes para nossa conduta em busca da verdade, da justiça e da paz. A iniciativa do jornal norueguês já foi considerada infeliz pelo próprio editor, que pediu perdão pela prática. Agora, espera-se que no mundo islâmico apareça um líder, carismático e iluminado, que oriente seus seguidores a trocar a violência pelo entendimento. A destruição de embaixadas e igrejas, a violência anticristã e antijudaica, não servirão para engrandecer ou enaltecer a memória do profeta Maomé, nem diminuirão o repugnante sentimento anti-islamico numa minoria européia xenofóbica.