Título: Querem restaurar a censura no Brasil
Autor: Adalmir Caparros Fagá
Fonte: O Globo, 17/02/2006, OPINIÃO, p. 7

O Brasil é signatário de diversos acordos e declarações internacionais sobre direitos humanos, posando de paladino de direitos, liberdades e garantias individuais. Entretanto, somente o faz em seara alheia, pois em território pátrio a práxis é outra. Se é verdade que "a liberdade de expressão é um direito humano inalienável e sua proteção, um elemento essencial para as sociedades democráticas"; e que "não há pessoas nem sociedades livres sem liberdade de expressão e de imprensa"; e ainda que "o exercício dessa não é uma concessão das autoridades, é um direito inalienável do povo" - nos termos das convenções das quais o Brasil é signatário -, também é verdade que a censura e apreensão de obras polêmicas se tornaram corriqueiras nos últimos tempos. É constrangedor e preocupante, sob a ótica da estabilidade jurídica e da respeitabilidade das instituições, observar a empáfia com que certas entidades supostamente representantes de alguma etnia ou grupamento humano, quando melindradas em suas autoconcedidas e duvidosas intocabilidades históricas, exigem e obtém, das autoridades públicas, o deferimento de medidas draconianas, visivelmente inconstitucionais, para cercear, quando não impedir definitivamente, a liberdade de expressão e divulgação preconizadas na "Carta Magna". Ora, a liberdade de expressão é um conceito adotado pelas modernas democracias liberais, em contraposição à censura e ao amordaçamento cultural. Seu exercício é defendido pela Declaração Internacional dos Direitos Humanos e pela Convenção Européia de Direitos Humanos, em diversos de seus artigos. E não é uma "concessão das autoridades" e, sim, direito constitucionalmente assegurado. A veiculação de obras intelectuais, como o livro, desfruta de proteção constitucional, como irradiação de conhecimentos indispensáveis à formação de uma cultura geral humana e sem preconceitos. Não representa, porém, apologia, apoio ou concordância da linha editorial com a ideologia dos autores. As editoras se limitam a veicular as obras, trazendo-as a público, e divulgando as informações sociais e históricas a que todos os cidadãos têm direito (Constituição Federal, art. 5º, XIV). Ao editor não cabe emitir juízos de valor sobre as obras veiculadas; este julgamento fica ao exclusivo critério de leitores e estudiosos. Se é certo que à Constituição repulsa o racismo e a discriminação, não é menos certo que ela igualmente assegura ao cidadão o direito à livre expressão de pensamento, ideologia política e de crenças, bem assim, o direito à divulgação e à exploração comercial de obras literárias. De outra parte, todos os cidadãos têm o direito fundamental de acesso à informação, seja esta conveniente ou não a crenças ou interesses individuais. Não fora assim, e assistiríamos à insensatez de se proibir a edição dos livros ditos sagrados, como a Bíblia, o Alcorão, o Livro de Mórmon e tantos outros, pois, sob ótica deformada, também poderiam ser acoimados de incitar ao ódio e à discriminação contra alguma etnia. A Constituição Federal dispõe, soberanamente, que, em solo pátrio:

"Art. 5º:

II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal" (grifo nosso).

Terá sido a "Carta Magna" revogada sem o conhecimento dos cidadãos?

A recente apreensão do livro "Os Protocolos dos Sábios de Sião" efetuada nos depósitos da Editora Centauro - que o editou sob o pálio constitucional - bem retrata a insegurança jurídica que ronda, ameaçadora, as liberdades garantidas pela "Carta Maior", cujos ditames não foram suficientes para a defesa dos bens constitucionalmente tutelados. Nós, da Editora Centauro, esperamos que os representantes dos Poderes da República detenham essa tentativa de instaurar (de novo!) a restrição cultural (leia-se: CENSURA!) e adotem medidas enérgicas para devolver aos cidadãos a segurança institucional ora gravemente ameaçada pelo ostensivo desrespeito às liberdades públicas e garantias constitucionais.