Título: POLIFONIA HAITIANA
Autor: Saturnino Braga
Fonte: O Globo, 20/02/2006, OPINIÃO, p. 7

Há um carinho pelos galos em Porto Príncipe, a capital do Haiti. A retribuição vem no alegramento do alvorecer de todos os dias na cidade: uma polifonia como não deve haver nada igual no mundo. O alvorecer do dia 7 de fevereiro, o dia das eleições, foi especialmente musical e alvissareiro. Eu estava lá e usufruí. A partir das 5 horas a cidade entrava em festa de grande sonoridade, despertando o povo para o dever da reconstrução do país. Às seis, os locais de votação começaram a abrir e as filas já eram grandes ¿ o povo queria votar. Não era obrigatório, mas homens e mulheres falando alto, em língua crioula, queriam votar. E votaram ¿ fizeram a sua parte. Os brasileiros também fizeram a sua parte ¿ e o fizeram bem. Tanto a tropa de capacete azul que pacificou a cidade, com muito respeito, limpou lixo, tapou buracos e perfurou poços artesianos, quanto os diplomatas que foram incansáveis no esforço de levar a palavra de crença na democracia. É importante, por tudo isso, prosseguir, e agora ajudar. Qualquer ajuda pequena, para um país tão pobre, é muito importante.Trata-se da nação mais pobre da nossa comunidade latino-americana; a primeira a libertar-se da colonização, um país de cultura africana encravado no Caribe, um país que precisa muito e hoje olha para nós, brasileiros. Afonso Arinos uma vez disse que o Brasil não era forte na guerra mas o era na paz. Genial; é isso mesmo, essa é a nossa vocação, a da justiça e do direito, a da paz, desde Ruy Barbosa em Haia e Rio Branco no Itamaraty. Este respeito o Brasil conquistou e os seus soldados confirmaram no Haiti. A hora é do Haiti. Temos que levar nossa ajuda e nossa crença no êxito de todo esse esforço. Os galos de Porto Príncipe cantaram essa expectativa e esse empenho em muitos tons de sonoridade bela, colorida e alegre. Como, aliás, são suas figuras: eles são belos no porte e no colorido, na plumagem, na altivez, bem mais que os nossos coitados. Eles andam livres pelos terrenos e o povo os trata com encanto e admiração.