Título: JORNADA EM QUEDA NO BRASIL
Autor: Cássia Almeida
Fonte: O Globo, 20/02/2006, ECONOMIA, p. 14

Crescimento do emprego formal ajuda a reduzir ritmo de horas extras no país

Os trabalhadores brasileiros estão fazendo menos horas extras. O aumento do emprego ¿ sobretudo, com carteira assinada ¿ ajudou a reduzir a parcela de trabalhadores que têm jornada superior a 45 horas semanais (pela legislação brasileira, a jornada não pode exceder 44 horas por semana). A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE, constatou essa tendência no mercado de trabalho. Em 2003, representavam 37% dos ocupados; em 2004, 35,6%. Quando se observa jornadas mais longas ainda, acima de 49 horas, também se constata o mesmo movimento: baixou de 19,9% para 18,7%, no menor patamar desde 1996, nos dois indicadores. Segundo a estatística e consultora do IBGE Vandeli Guerra, uma explicação possível para esse fenômeno está na redução do número de trabalhadores autônomos, que representam 26,9% dos 15,7 milhões dos ocupados com jornada excessiva. ¿ Houve queda de 1,3% no número de autônomos e alta de 5,3% no de empregados, que são maioria no grupo que trabalha de 40 a 44 horas. Essa diferença nas variações das duas categorias de trabalhadores em 2004 pode ser uma explicação para a queda ¿ disse a pesquisadora. O número de autônomos diminuiu, mas o excesso de trabalho permanece para 2,6 milhões de trabalhadores. Aos 71 anos, Maria Matos Teixeira trabalha dez horas por dia. Chega às 8h no Largo da Carioca para montar sua barraca de cama e mesa e só deixa o local às 18h. O almoço é entre uma venda e outra. ¿ E ainda tem o trabalho de casa. Às vezes fico o dia inteiro e volto para casa no zero.

Em 2005, mais vagas com carteira

Mesmo destino têm três de seus filhos, todos vindos do Ceará. A filha Régia Maria Teixeira cumpre jornada semelhante à da mãe, mas já trabalhou mais. Tinha uma barraca de salgados e doces. Ela mesma preparava a comida. Dormia e acordava de madrugada. ¿ Não deu mais para agüentar. Meu irmão ficou com a barraca e contratou uma cozinheira para fazer os salgados e doces. Hoje, trabalho com roupas. José Jarlon, vendedor ambulante, trabalha menos. Começa a percorrer as ruas da cidade com seu carrinho de suco às 10h e antes das 18h já vendeu seus 200 litros, preparados pela mulher: ¿ É um trabalho muito cansativo. E ainda convivemos com o medo de que o carrinho seja apreendido. Já perdi um ¿ diz. Para o economista Claudio Dedecca, professor da Unicamp, as horas extras costumam cair em momentos de recuperação econômica. Segundo ele, em 2004, houve aumento do emprego na faixa que trabalha entre 40 e 44 horas. ¿ Já observamos isso em 95 e 96 e nos anos 80. O economista lembra, porém, que a mudança no mercado de trabalho criou a jornada invisível, principalmente no setor de serviços: ¿ Meu gerente liga para minha casa à noite para oferecer produtos, depois de sair do banco. É difícil medir também a jornada de quem trabalha em casa. O comércio ainda mantém uma jornada escandalosa ¿ afirma Dedecca. Além do aumento de vagas, de 3,3% em 2004, o que representou mais 2,7 milhões de empregos criados, o trabalho com carteira explica essa redução nas horas extras. A alta do emprego formal em 2004 foi de 6,6%. Segundo Marcelo de Ávila, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), no ano passado, a criação de vagas foi menor que em 2004, mas o emprego gerado foi de qualidade. Ávila usou dados da Pesquisa Mensal de Emprego, também do IBGE, que acompanha o movimento da ocupação em seis regiões metropolitanas e já fechou o ano de 2005: ¿ Dos 474 mil ocupados a mais, 466 mil foram contratados com carteira assinada. Emprego com proteção normalmente tem jornada menor. O sócio-proprietário do restaurante italiano Milano DOC, em Ipanema, Beto Fernandes, contratou oito funcionários entre outubro e novembro. Com o aumento da demanda pelo fim do ano, férias e verão, não foi possível manter o atendimento apenas dobrando o turno dos garçons: ¿ O custo pesou. O auge da temporada é até abril. Mas devo manter os funcionários novos. Tem Dia das Mães, Copa do Mundo, eleições. A demanda vai continuar aquecida ¿ diz o empresário, que emprega 42 funcionários.