Título: A AVENTURA DE ENSINAR NO CORAÇÃO DA AMAZÔNIA
Autor: Rodrigo França Taves
Fonte: O Globo, 19/02/2006, O PAÍS, p. 14

Professoras enfrentam grandes adversidades na floresta para levar Telecurso às comunidades isoladas do Acre

SENA MADUREIRA e BUJARI (AC). A professora Simone Pinheiro, de 28 anos, pensou seriamente em desistir. Logo no primeiro dia, teve de subir num trator para completar os 18 quilômetros da estradinha enlameada que leva à escola para a qual fora contratada, nos rincões da Floresta Amazônica, em Bujari, Acre. A caminhonete atolou três vezes. A certa altura, ela foi obrigada a atravessar um igarapé com água pela cintura e se equilibrar no que restava de uma ponte de madeira destruída. ¿ Minha vontade foi voltar. Achava: não é possível que more alguém aqui. Dou graças a Deus por ter ficado. Encontrei meninos que têm de andar oito, dez quilômetros na floresta e chegam sorridentes. Recebi uma lição e pensei: se eles agüentam, eu também agüento.

Parte dos alunos estava há anos sem estudar

Simone encontrou no decadente seringal Mercedes, onde há muito tempo os trabalhadores já não extraem borracha, jovens que estavam há quatro, cinco anos sem estudar porque a escola rural só oferecia ensino de 1ª a 4ª série. Havia o caso de garotas como Izete Gomes, de 14 anos, que chegou a repetir a 4ª série apenas para não ficar sem estudar. Esquecidos na floresta, eram adolescentes condenados a repetir a vida dos pais, sobrevivendo de trabalhos por empreitada na lavoura de pequenos fazendeiros vizinhos. Para suprir a carência de educação na floresta, o governo do Acre celebrou convênio com a Fundação Roberto Marinho para a criação do Projeto Poronga, e foi implantada nas escolas rurais do estado a metodologia do Telecurso 2000. No ano passado, cerca de 700 alunos da floresta fizeram a 5ª e a 6ª série pelo sistema de módulos. Este ano, eles vão completar o ensino fundamental, pelo processo de aceleração de aprendizagem. ¿ Com o Telecurso 2000, conseguimos chegar às comunidades isoladas, aos ribeirinhos e moradores dos seringais. A Fundação Roberto Marinho, com professores policompetentes, têm tornado possível o sonho da escola de qualidade para todos ¿ elogia o secretário de Educação do Acre, Arnóbio Marques.

Professora chegou a morar na própria escola

Simone teve de morar na escola, que não tem energia elétrica, até arrumar um quarto na casa de um morador do seringal. Hoje, para chegar à escola, tem de andar cinco quilômetros na floresta. Sai de casa antes do amanhecer e faz o percurso de uma hora acompanhada por muitos de seus alunos. Um ano depois, sente que o Projeto Poronga está valendo a pena: ¿ Os alunos fizeram progressos. Agora eles vão ter o direito de escolha. Sem a escola, não teriam opção de vida, a não ser ficar andando na lama e se cortando com as enxadas. Como todos os professores do Poronga, Simone tem nível superior e foi capacitada pelo Telecurso 2000 para ensinar aos alunos língua portuguesa, matemática, ciências, história e geografia. Com as dificuldades de acesso à área rural, o ensino regular, com um professor para cada disciplina, seria impossível. A professora Michele Brandão, de 26 anos, sai de Sena Madureira (AC), onde mora, e sobe o Rio Purus de canoa, numa viagem de duas horas e meia, para chegar à Escola Estadual Siqueira de Menezes, onde estudam filhos de ribeirinhos da comunidade São Francisco. Como é perigoso descer o rio à noite, dorme durante a semana na escola, que até o ano passado não tinha luz. Quando o ano letivo começa, só vê a filha de 4 anos a cada 15 dias. Os jovens moradores da floresta, entre eles alguns que nunca assistiram televisão, esperam ansiosos pela chegada da energia para que possam assistir às aulas do Telecurso pelo sistema audiovisual. Na escola do Rio Purus, foram instaladas placas de energia solar e o equipamento do Telecurso 2000 vai começar a funcionar em março. Os alunos de Simone vão esperar mais um pouco. ¿ Achei que nunca mais voltaria a estudar. Se vier a luz mesmo, vai ser uma alegria ¿ diz Tiago Gomes, de 15 anos, que ficou dois anos fora da escola e hoje toca sax e recebe aulas de música em Bujari.