Título: PROPOSTAS QUE DE SOCIAL NADA TÊM
Autor: Nadja Sampaio
Fonte: O Globo, 19/02/2006, ECONOMIA, p. 38

Especialistas dizem que haverá aumento de tarifas na telefonia e redução de cobertura no plano de saúde

As últimas propostas do governo e de agências reguladoras, que deveriam atender aos consumidores, principalmente os de baixa renda, na verdade nada têm de sociais: até prejudicam os clientes. Esta é a conclusão de especialistas de defesa do consumidor que analisaram o Acesso Individual Classe Especial (Aice) ¿ o chamado telefone popular ¿ a conversão de pulso para minuto e o plano de saúde social. A advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) Daniela Trettel observa que o Aice ¿ que foi criado e aprovado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) ¿ deveria suprir uma lacuna na privatização, que foi a não-universalização do uso da telefonia. Ela afirma que, como não houve competição, as tarifas não baixaram e isso está se refletindo tanto no Aice como na conversão de pulso para minuto: ¿ O Aice não tem nada de social. Possui a assinatura básica sem franquia, ou seja, o consumidor paga desde a primeira ligação e, além disso, ainda pagará uma taxa de atendimento. E como, pela proposta, não há horário reduzido, a internet discada ficará caríssima.

Daniela: `a partir de 4 minutos a ligação ficará mais cara¿

Daniela afirma que o Idec avaliou os dados da conversão e concluiu que o consumidor pagará mais barato pela ligação local apenas se esta durar um minuto. Caso a duração seja de dois ou três minutos, o consumidor poderá pagar mais caro ou mais barato, dependendo se o pulso for contado a partir do primeiro minuto (um pulso tem quatro minutos): ¿ Mas, a partir de quatro minutos, a ligação fica, com certeza, mais cara, sendo que a diferença entre o que é gasto hoje e o que pode ser gasto no futuro em uma ligação de uma hora de duração superaria 165%. Fátima Lemos, técnica do Procon de São Paulo, ressalta que a conversão para minutos permitirá que o consumidor tenha informações mais claras e precisas, mas não é possível aceitar que haja um aumento no valor a ser pago: ¿ Como haverá inclusão digital da classe de baixa renda se, com o Aice ou com o telefone normal, a internet discada ficará mais cara? A Anatel argumenta que para analisar a conversão foram computadas 200 milhões de ligações e chegou-se a um ponto médio que definiu um pulso como tendo 2,5 minutos, portanto, na média nacional, não haverá aumento da tarifa. A agência diz ainda que apenas 3% das ligações passam de 20 minutos. Com relação ao Aice, a Anatel diz que a proposta passou por audiência pública, ocasião em que as entidades puderam se manifestar. Quando o assunto é o plano de saúde social, as críticas são ainda maiores. Lumena Sampaio, advogada do Idec, diz que a proposta das operadoras de Minas Gerais, que foi encampada pela Associação Brasileira das Empresas de Medicina de Grupo (Abrange), é um retrocesso nas conquistas nesse setor: ¿ A cobertura do plano social é menor do que a definida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O plano ambulatorial da ANS prevê consultas e exames. No social, estes exames só podem ser clínicos e estão excluídos aqueles com imagens (ultra-sonografia, ressonância, etc.). Isso joga para os médicos a responsabilidade de fazerem diagnósticos sem exames complementares. Ela ressalta que, como o plano social só pode ser coletivo, o reajuste anual não seguirá o percentual determinado pela ANS. Com isso, um plano pode começar barato e, no segundo ano, ficar caro. Segundo Lumena, o consumidor de baixa renda terá dificuldade para entender as restrições impostas. Procurada, a ANS não se pronunciou. Lumena afirma ainda que a proposta prevê acabar com o ressarcimento ao SUS pelo atendimento feito aos clientes das operadoras: ¿ As operadoras já estão devendo muito ao SUS e o que elas querem é o perdão da dívida. Renata Molina, técnica do Procon/SP, lembra que foram restrições à internação e a exames mais complexos que levaram muitos consumidores a procurarem a Justiça nos planos anteriores à lei 9.656: ¿ O plano social limita a assistência médica integral e impõe restrições a diagnósticos que necessitam de tecnologia. Maria Inês Dolci, advogada da Pro Teste - Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, diz que estas propostas vão excluir ainda mais os que já estão excluídos: ¿ O governo não tem nem critério claro para definir os consumidores de baixa renda. Passamos por esse problema quando foi instituída a tarifa social para a energia. E o pior é que estas propostas que enganam os consumidores têm o apoio das agências reguladoras.