Título: Terreno fértil para a extrema-direita européia
Autor: Deborah Berlinck
Fonte: O Globo, 19/02/2006, O MUNDO, p. 40

INTOLERÂNCIA RELIGIOSA: NA DINAMARCA, PESQUISA INDICA QUE GRUPO RADICAL É HOJE A TERCEIRA FORÇA NO PARLAMENTO

Crise das charges de Maomé favorece crescimento de partidos com discursos cada vez mais antiislâmicos

PARIS A violência deflagrada em vários países por extremistas muçulmanos em protesto contra a publicação pela imprensa européia de caricaturas do profeta Maomé prestou um enorme serviço a um grupo na Europa: a extrema-direita. Xenófobos, na sua maioria, e com um discurso cada vez mais antiislâmico, eles aproveitam mais uma crise envolvendo muçulmanos para ganhar espaço. Na Dinamarca ¿ onde as caricaturas foram primeiramente publicadas pelo jornal ¿Jyllands-Posten¿, em setembro do ano passado ¿ uma pesquisa mostrou que a maioria dos cidadãos (58%) responsabiliza os líderes religiosos muçulmanos do país pela propagação da crise. Outra sondagem mostrou que seis em cada dez dinamarqueses têm uma imagem mais negativa do Islã devido à crise dos cartuns.

Líder prega o fim da ¿islamização da França¿

O terreno não poderia estar mais fértil para a extrema-direita. É o que explica o sucesso do radical Partido do Povo Dinamarquês, hoje a terceira força política no Parlamento, segundo uma pesquisa feita em 2 de fevereiro. Já na França, Phillipe de Villiers, líder de extrema-direita cotado para a eleição presidencial de 2007 (superou o extremista Jean-Marie Le Pen nas pesquisas de opinião) quer condicionar a construção de mesquitas no país a um compromisso dos religiosos de respeitar a igualdade entre os sexos e liberdade. Villiers prega o fim da ¿islamização da França¿. O país tem quase cinco milhões de muçulmanos, a maior comunidade da Europa. O partido de Villiers ¿ Movimento pela França ¿ é radicalmente contra a União Européia e a imigração. Para o líder, a controvérsia e a violência provocada pelas caricaturas é a prova de que ¿há um fosso cultural¿ entre a Europa e o mundo muçulmano. Sua reação não surpreende Mouloud Aounit, líder do Movimento Contra o Racismo e Pela Amizade entre os Povos (Mrap): ¿ Assistimos a uma explosão de delírios racistas antiárabes e antimuçulmanos ¿ declarou Aounit, que considera a luta de sua organização, agora bem mais difícil. A extrema-direita prolifera também na internet, em sites como France-Echos, SOS-France e Occidentalis. Denis Greslin, ex-candidato da Frente Nacional, de Le Pen, está à frente do Occidentalis. Num dos artigos do France-Echos, o site é descrito como um patriota que resiste ao nazi-islamismo. A briga da extrema-direita com os muçulmanos é anterior à crise das charges. No ano passado, na Bélgica, o líder do partido de extrema-direita Vlaams Belang, Filip Dewinter, comprou uma enorme briga com movimentos anti-racistas do país quando admitiu numa entrevista à revista judaica ¿Jewish Week¿, de Nova York, que seu partido tinha ¿islamofobia¿. Quando o entrevistador lhe perguntou por que judeus da Bélgica deveriam votar num partido xenófobo como o seu, ele respondeu: ¿Xenofobia não é a palavra que eu usaria. Se é uma fobia, então que seja islamofobia.¿ Em seguida, acrescentou: ¿Sim, temos medo do Islã. A islamização da Europa é de dar medo. Se o processo continuar, os judeus serão as primeiras vítimas. A Europa se tornou tão perigosa para eles (judeus) como o Egito e a Argélia.¿ Organizações que lutam contra racismo, anti-semitismo e xenofobia na Bélgica, como a Mrap, acusaram o líder da extrema-direita de querer seduzir os 17 mil judeus da Antuérpia ¿ onde o partido tem força -¿ e de estar instigando a comunidade judaica contra a muçulmana. Nas eleições gerais de junho de 2004, um milhão de belgas votaram no partido ¿ segundo analistas, motivados por um sentimento anti-imigrante e por medo do radicalismo islâmico. Na Itália, o seqüestro de italianas por um grupo radical no Iraque serviu de pretexto para a extrema-direita ganhar espaço. Políticos do norte do país ¿ tradicional reduto da direita ¿ começaram até a usar uma velha lei da época de Mussolini que proíbe mulheres muçulmanas de usar burca ou chador em público. Foi o caso do prefeito de Biassono, Angelo de Biasio, da Liga do Norte, partido de extrema- direita. Ele não foi o único. Vários outros prefeitos da Liga do Norte fizeram o mesmo. Biassono só tinha 40 muçulmanos numa população de 11 mil pessoas. E ninguém usava burca. Porém a população aplaudiu a medida do prefeito. Mas nada se compara às provocações do ministro da Reforma italiano, Roberto Calderoli, da Liga Norte, que acabou demitido sexta-feira depois de muçulmanos atacarem a embaixada italiana na Líbia. O ataque foi atribuído às suas declarações. Depois de exortar o Papa Bento XVI a liderar os governos ocidentais numa cruzada contra os extremistas islâmicos, ele anunciou, quarta-feira, que encomendara camisetas com estampas com as charges de Maomé.