Título: VOTO QUASE SECRETO
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 02/03/2006, O País, p. 4

Eles já estão grandinhos e, supostamente, sabem o que fazem. Individualmente, vão acertar as contas com o eleitorado em outubro. Mas a nova temporada de julgamento que se abre semana que vem na Câmara traz um risco adicional de desmoralização da instituição se os deputados continuarem insistindo na nova modalidade de decisão que inventaram: o voto secreto-mas-nem-tanto.

Lá se vão quase três meses, mas quem participou da sessão que absolveu o petebista Romeu Queiroz (MG) da acusação de receber recursos de caixa dois viu. Uma força-tarefa multipartidária, comandada por parlamentares mineiros, articulou-se em favor do colega. Para conferir se a palavra empenhada estava se consubstanciando em voto favorável ao acusado, montou um esquema de fiscalização em plenário, ao pé das cabines supostamente indevassáveis onde cada deputado, depois de fazer fila, depositava seu voto - que, em muitos casos, era mostrado antes e só foi secreto para o público em geral, aquele que assiste a tudo pela televisão.

Há relatos de deputados que, cédula na mão, ainda na fila mostravam seu voto secreto aos companheiros. Hoje reclamam do constrangimento, mas na ocasião não tiveram firmeza para recusar o procedimento. Afinal, nas palavras de um deles, se não mostrasse a cédula diriam que estava votando contra o companheiro. Estaria? Só Deus sabe. Mas tinha esse direito.

O fato é que, se a Mesa da Câmara não tomar providências, como por exemplo só distribuir a cédula no momento em que o deputado entrar na cabine, a nova modalidade de voto será usada de novo. Parece coisa de bedel em colégio de criança.

Mas tudo indica que a metodologia será usada no julgamento dos mandatos dos deputados Roberto Brant (PFL) e Professor Luizinho (PT), quarta-feira, e nos subsequentes, que devem decidir o destino de Pedro Henry (PP), Pedro Corrêa (PP) e Wanderval Santos (PL).

Não se discute neste momento o mérito dos julgamentos, as razões que a Casa terá para condenar ou absolver cada um dos acusados do mensalão. Cada caso é um caso e há inúmeras variáveis em jogo, que vão da simpatia do sujeito à ordem de votação em plenário. Diferentemente do que ocorre na matemática, nas cassações a ordem dos fatores altera, sim, o produto. Razão pela qual os petistas andam assustados com a possibilidade de Luizinho perder o mandato em sessão horas depois do julgamento de Brant, cuja absolvição está sendo esperada.

Como sempre, há vestígios de acordos no ar, que estão mais para "ações entre amigos", como a que salvou Queiroz, do que para grandes acordões partidários, que acabam sendo impraticáveis. Como se sabe, há, nos partidos, deputados dos mais diversos matizes, representantes de interesses políticos nem sempre convergentes.

Alguns, até com justiça, manterão seus mandatos. Outros, mante-los-ão injustamente. A outros caberá a condenação, com ou sem razão. Nesse quesito, só nos resta presumir que, no exercício pleno do mandato que lhes foi conferido pelo povo, os deputados cumprirão suas obrigações. Se não as cumprirem, irão, como adultos responsáveis, acertar as contas com a vontade de quem os mandou a Brasília.

Acima e além disso, porém, está a obrigação de a Câmara dos Deputados assegurar as condições para que se cumpra a lei - o quórum para as sessões de julgamento (ufa!, como demorou...) e a lisura dos procedimentos previstos, entre eles o voto secreto.

Muito se tem esbravejado contra o voto secreto no Congresso. Argumenta-se que quem exerce mandado popular deve tomar posições a descoberto, de forma transparente, incluindo a aprovação de nomeações para cargos no Executivo e em tribunais e a decretação de perda de mandatos. É um assunto controvertido. De outro lado, afirma-se que o voto secreto existe para evitar a pressão de outros poderes sobre o parlamentar.

No caso dos julgamentos do pessoal do mensalão, o voto secreto em plenário estaria favorecendo absolvições que o Conselho de Ética, onde o voto é aberto, não teria tido coragem de assumir. Pode ser. E é razoável que, com vistas ao futuro, alguém apresente emenda mudando isso. Mas essa não é a regra no momento.

Voto, que no Parlamento é coisa tão séria quanto fora dele, ou é secreto ou é aberto - assim como liberdade, democracia e, na sabedoria popular, até gravidez, são condições que não comportam meios termos. Voto mais ou menos secreto é fraude.