Título: ZEROU TUDO DE NOVO
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 04/03/2006, O PAÍS, p. 4

Poucas vezes se viu um tal grau de confusão em relação às regras de uma eleição. O TSE virou mais uma vez ontem de cabeça para baixo o quadro eleitoral de 2006 ao decidir manter a verticalização das alianças estaduais. Na prática, apesar do rastro de dúvida que ainda vai levar a decisão ao STF, dá-se por não dito tudo aquilo que foi dito e acertado no último mês sobre coligações, palanques etc.

O TSE deu recados claros, como o inequívoco placar de 5 x 2 e a defesa da observação do princípio da anualidade para mudanças nas regras eleitorais. Para bom entendedor, é sinal de que o STF dificilmente vai rever essa decisão e tende a considerar inconstitucional a entrada em vigor este ano da emenda que fulminou de vez a obrigatoriedade de reprodução das alianças nacionais nos estados. A esta altura do campeonato, porém, o principal é que o STF decida logo, pois enquanto não o fizer o quadro eleitoral continuará sob o signo da incerteza. De concreto, o que se tem hoje é que todas as conversas e tratativas dos partidos e candidatos sobre alianças ficam em suspenso, e justamente quando o calendário eleitoral e político começa a andar mais aceleradamente. Fica o dito pelo não dito, pelo menos até segunda ordem. E, se confirmada mesmo a decisão de ontem do TSE pelo Supremo, o quadro que se desenhou nas últimas semanas tende a sofrer mudanças profundas. Só para começar a ver o tamanho do estrago, maior ainda se a palavra final do STF não vier até o fim do mês. As prévias do PMDB, marcadas para 19 de março, podem ir para o ralo e o partido dificilmente terá candidato. Muita gente no Palácio do Planalto vai ficar feliz. A decisão ¿irreversível¿ do PMDB de ter candidato próprio já estava seriamente abalada com a recuperação de Lula nas pesquisas. Agora, então, se a verticalização prevalecer, os governadores e caciques regionais do partido não vão querer ficar amarrados a um candidato que não lhes inspira a menor fé. A tendência é liberar geral, tirando do cenário inconvenientes para o governo como a candidatura Garotinho. Mas Lula pode esquecer o sonho de aliança formal e um peemedebista na vice. O PMDB ficará livre, leve e solto. O número de candidatos será menor e a eleição pode até se decidir no primeiro turno. Os pequenos partidos que se preparavam para decolar devem arremeter. Com a verticalização, e precisando cumprir a cláusula de desempenho, não é negócio para eles ter candidato próprio que amarre as alianças, esta$ que poderão lhes dar votos e bancadas. Então, é bem possível que PPS, PDT e outros saiam de cena. Sem um candidato do PMDB, sobra a polarização entre Lula e Serra (ou Alckmin) e alguns poucos coadjuvantes, como Heloísa Helena, por exemplo. Dificuldades nas escolhas: até 31 de março, os ocupantes de cargos executivos têm que se desincompatibilizar. Sem saber muito bem com que alianças poderão contar para se candidatar a governador, senador e até deputado, muita gente vai ter que decidir no escuro. O ministro Jaques Wagner, por exemplo, que quer se candidatar na Bahia em ampla aliança do PT com o PDT e outras forças que não apóiam necessariamente a candidatura Lula, vai ou não vai? Lula terá menos palanques nos estados, mas o PT pode se dar bem. Se, por um lado, Lula ganha com a saída de Garotinho de cena (ele tira mais votos dele do que dos tucanos) e a redução do número total de candidatos, por outro sua estratégia de ter palanques duplos em alguns estados fica prejudicada. No Maranhão, por exemplo, já não vai poder subir no palanque de Roseana Sarney, do PFL, que estará coligado ao PSDB na eleição nacional. No Rio, onde planejava ficar com um pé no palanque de Marcelo Crivella e outro no de Vladimir Palmeira, o acordo terá que ser revisado. Só vai valer se Crivella não se coligar a outro partido adversário. Com isso, a tendência é fortalecer os palanques do PT ¿ o partido do presidente, aliás, nunca quis o fim da verticalização e votou majoritariamente contra a emenda aprovada no Congresso. Os partidos do mensalão vão fazer a festa. PTB, PP, PL e outros médios podem retomar aquela estratégia de não ter candidato à Presidência e ficarem livres para se coligar com quem bem entenderem nos estados, enquanto os partidos maiores (PT, PSDB, PFL) estarão presos e limitados por alianças nacionais. Com isso, avançam nos espaços dessa turma, elegendo boas bancadas e engordando o cacife para negociaçõe$futuras em Brasília. Quem é que disse um dia que a verticalização era uma medida moralizadora?