Título: Verba para mostrar serviço
Autor: Maria Lima, Regina Alvarez e Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 05/03/2006, O País, p. 3

O ano eleitoral põe em evidência o uso de recursos da publicidade oficial e torna ainda mais tênue a fronteira entre o interesse público e o empenho dos governantes para mostrar suas ações. No Orçamento de 2006, o governo federal reservou 42,9% dos recursos do setor para a chamada publicidade institucional e 57,1% para a propaganda de utilidade pública. Embora no papel a maior parcela das verbas seja destinada a campanhas de interesse do cidadão, o esforço do governo em mostrar seus feitos pode ser identificado também nessas peças publicitárias. Como na campanha da merenda escolar, que teria como foco incentivar a fiscalização do uso dos recursos, mas destaca o reajuste de 38% no valor repassado pelo governo depois de dez anos sem aumento.

Especialistas e acadêmicos da área de publicidade condenam a tradição dos governantes brasileiros de querer sempre mostrar serviço em vez de produzir campanhas educativas que possam produzir mudanças positivas de comportamento na sociedade.

¿ Defendo mais investimentos em publicidade na área governamental, mas desde que tenham caráter pedagógico. Há políticas públicas em que a comunicação é o eixo fundamental, como na coleta seletiva de lixo. O problema é que a nossa comunicação estatal é usada de forma político-eleitoral, quando precisávamos de mais campanhas pedagógicas ¿ diz o diretor do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília (UnB), Luiz Gonzaga Motta.

Para a professora do curso de marketing político e propaganda eleitoral da Escola de Comunicações e Artes da USP Katia Saisi, não há diferença substancial entre a propaganda do atual governo e a de anteriores.

¿ Há um grande investimento em campanhas de caráter laudatório, com fachada de prestação de serviços público. Sem dúvida que poderia haver um investimento desses recursos em educação formal ¿ diz Kátia Saisi, ressaltando, porém, a importância da propaganda: ¿ É de interesse do cidadão saber o que foi feito. É um dever do Estado mostrar o que fez.

Temas educativos já tiveram fatia maior

No ano passado, o governo federal (só administração direta) gastou R$331,1 milhões com publicidade (pelo conceito de valores empenhados). Desse total, R$142 milhões foram gastos pela Presidência da República com propaganda institucional, o equivalente a 42,9% do total. Os demais órgãos do governo, principalmente ministérios, são encarregados da publicidade de utilidade pública. O volume de recursos gastos com propaganda institucional já foi superior ao destinado às peças de utilidade pública. Em 2002, por exemplo, a institucional consumiu 60,8% dos recursos do setor, contra 39% para utilidade pública.

O publicitário João Roberto Vieira da Costa coordenou a publicidade oficial na gestão do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Para ele, o atual governo perde tempo com o bombardeio de propagandas institucionais do programa Bolsa Família, por exemplo, em vez de utilizar a verba para orientar os beneficiários a cumprir as contrapartidas, como manter a criança na escola.

¿ Se o governo reforçasse o lado das contrapartidas, poderia ter falado o ano inteiro sobre o programa Bolsa Família prestando um enorme serviço. Muito mais do que ficar martelando que distribuiu não sei quantos milhões de bolsas ¿ diz.

O cientista político Paulo Kramer, professor da Universidade de Brasília (UnB), diz que o governante tem o dever de informar à sociedade o que faz, mas considera que existem meios para fazer isso sem uso abusivo da publicidade oficial.

¿ A fronteira entre a publicidade institucional e a propaganda pessoal é muito precária, muito movediça ¿ reconhece Kramer.