Título: LULA QUER CUIDADO REDOBRADO COM O 'JÁ GANHOU'
Autor: Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 05/03/2006, O País, p. 8

BRASÍLIA. Em fase de recuperação da popularidade pessoal e do governo, com reflexos diretos na disputa eleitoral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus auxiliares mais próximos passaram a ter um grande temor: que algo de muito errado aconteça antes que ele se consolide como favorito para as eleições presidenciais. A cúpula do governo já está mapeando eventuais fragilidades para tentar blindar Lula de ataques de adversários.

A preocupação é tamanha que, em conversas reservadas depois do carnaval, o próprio Lula falou com companheiros sobre a necessidade de que haja um cuidado redobrado por parte do PT. Ele quer que o partido evite o ¿salto alto¿ e, principalmente, o clima de ¿já ganhou¿.

Na análise preventiva de eventuais fragilidades e surpresas indesejadas, o núcleo do governo lista como algo de muito ruim para a reeleição de Lula, por exemplo, a absolvição de mensaleiros petistas no julgamento na Câmara, possibilidade que se especula no Congresso. Isso porque as análises internas das últimas pesquisas evidenciam que o presidente Lula começou a recuperar seu capital ético a partir da condenação do ex-todo-poderoso ministro José Dirceu.

A punição de Dirceu e o comportamento de Lula sobre o assunto passaram à opinião pública, segundo as pesquisas, a imagem de que o presidente e o governo do PT não protegeram os envolvidos no escândalo do mensalão e caixa dois que arrasou o partido ano passado. Estaria criada, assim, a tal blindagem do presidente no quesito ética, de acordo com a avaliação interna.

A ordem foi então reforçada: o Planalto não deve se envolver de forma alguma na votação dos processos de cassação de mandatos que será retomada quarta-feira no plenário, com os julgamentos de Roberto Brant (PFL-MG) e Professor Luizinho (PT-SP). Apesar da pressão das últimas semanas de petistas envolvidos no mensalão, Lula determinou a assessores mais próximos distanciamento total desse processo, que envolve também o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP).

¿ A absolvição de petistas neste momento poderia ter um reflexo muito negativo junto à população ¿ reconhece um dirigente do partido.

Por enquanto, governistas acreditam que não colou e não deve mais colar na imagem de Lula os escândalos recentes ¿ desde as evidências de caixa dois no PT à denúncia de que a Telemar tornou-se sócia do filho do presidente numa operação de R$5 milhões para se favorecer de ações do governo.

¿ As denúncias que surgem em momento eleitoral perdem a credibilidade. Agora, não há dúvida que este é um momento de alívio com a recuperação de Lula nas pesquisas, depois de toda a crise que enfrentamos. Mas isso não pode se transformar num clima de ¿já ganhou¿. Esse é o nosso grande risco. Temos que ficar atentos e vigilantes. Ninguém pode subestimar a oposição. O PT precisa aprender com os erros ¿ advertiu o vice-líder do governo, deputado Sigmaringa Seixas (DF).

Mantido o cenário atual, o presidente tem reconhecido internamente que uma das maiores fragilidades do governo no debate eleitoral será mesmo o resultado da economia, com o pífio crescimento de 2,3% em 2005. Ele teme que esse dado se transforme numa arma poderosa da oposição.

Como vacina para os ataques, o governo aposta no resultado do PIB no primeiro trimestre de 2006, que poderá mostrar uma recuperação mais consistente da economia. A cúpula palaciana também tenta rebater as críticas na área social, como ocorreu na semana passada, com integrantes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).

¿ Vai ter sempre alguém reclamando. Mas vamos mostrar com números que avançamos bastante ¿ afirma o ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner.

O próprio ministro admite que, além de fatores concretos detectados nas pesquisas para a recuperação de Lula, como o aumento do salário-mínimo, a percepção de que o presidente se comportou de forma adequada, do ponto de vista ético, contribuiu de forma significativa para a melhoria de seu desempenho.

¿ Com a chegada das denúncias houve um clima de decepção, frustração e raiva das pessoas com o PT e o governo. Decepção e frustração porque o partido não conseguiu fazer diferente quando chegou ao poder. A população também demonstrava raiva porque se sentia enganada. Chegamos ao fundo do poço ¿ constata Wagner, para depois concluir: ¿ Mas agora os eleitores já sabem separar o presidente Lula dos episódios recentes. E quando a oposição tenta ultrapassar esse limite, fica claro para o público externo que os adversários não querem investigar. O que há de fato é perseguição. No caso, o feitiço se inverteu.

O que Jaques Wagner não fala ¿ mas já está claro no Palácio do Planalto e no PT ¿ é que a cassação do ex-ministro José Dirceu teve um papel fundamental na blindagem de Lula. Um petista acostumado a fazer análise de resultados de pesquisas sustenta que a degola de Dirceu em 30 de novembro funcionou como uma punição rigorosa, a maior e mais emblemática, ao PT e ao governo Lula.

Ao expor para o presidente Lula a análise do que dizem as pesquisas, o interlocutor comparou: se fosse num filme policial, é como se o bandido tivesse sido preso, a Justiça foi feita.

O Palácio do Planalto já apostava neste resultado de ¿blindagem ética¿ desde o início do segundo semestre do ano passado, quando Lula, estrategicamente, afastou-se de Dirceu. Naquela ocasião, o próprio presidente percebeu que se continuasse com a sua imagem colada à de Dirceu correria o risco de entrar para o centro da crise política. Tanto que, em agosto, Lula tentou convencer Dirceu, via interlocutores, a renunciar ao mandato de deputado.

O presidente também desejava que os demais petistas renunciassem, numa tentativa de a diminuir a temperatura da crise. Da mesma forma que lavou as mãos em relação ao destino de Dirceu, Lula não quer nem saber o que vai acontecer com os outros petistas que estão na fila de cassação. Sua luta é para não reviver os momentos de desgaste do ano passado.