Título: Soy loco
Autor: Miriam Leitão
Fonte: O Globo, 03/03/2006, ECONOMIA, p. 22

Um pouco antes do carnaval, a PDVSA, Petróleos de Venezuela, deslanchou uma campanha de publicidade em todos os meios comunicando que estava chegando ao Brasil com seu petróleo e seus programas sociais. Mas desembarcou mesmo foi na Sapucaí, onde conquistou o título de campeã com a Vila Isabel. A empresa tem estado de olho na Ipiranga porque quer entrar também na distribuição de petróleo brasileiro. Não é apenas a lógica do mundo dos negócios que move a PDVSA. A empresa deixa de lado qualquer racionalidade quando se trata de garantir impulso para o presidente Hugo Chávez e seus projetos: fornece petróleo de graça a Cuba, publicou uma página oferecendo óleo para aquecimento a preço baixo para a população de baixa renda nos Estados Unidos, anunciou que distribuirá petróleo de graça para os pobres da Bolívia e comprou títulos da dívida externa argentina. De investimento no negócio mesmo, ouve-se pouco a empresa falar. - O que move a PDVSA é mais a lógica política que a empresarial - diz o consultor Adriano Pires. Se fosse só empresarial, seria de deixar a Petrobras preocupada. É que há rumores no mercado de que a PDVSA entraria no Brasil na distribuição de derivados de petróleo através da compra da Ipiranga. Circula também que a Petrobras não quer que este negócio se concretize: amigos, amigos, petróleos à parte. - A Ipiranga está num dos seus melhores momentos em muitos anos. Fez uma reestruturação empresarial e adotou alguns focos. Um deles, o centro-oeste do agronegócio. Como a Shell está se encolhendo, ela se tornou a maior distribuidora de diesel do centro-oeste. Hoje, em todo o Brasil, é a segunda maior distribuidora de derivados, tendo algo como 18% do mercado brasileiro na frente das empresas estrangeiras como Shell e Esso - comenta Adriano Pires. Se a empresa venezuelana tiver interesse em ocupar espaço no mercado brasileiro, com seu petróleo de baixo custo e sua ótica de que mais importante que o lucro é o objetivo estratégico-bolivariano, pode dar dor de cabeça à Petrobras, sempre ciosa do seu controle monopolístico sobre o mercado brasileiro. O problema com a PDVSA é sua total falta de transparência. O anuário da Opep diz que ela é a 9ª maior produtora de petróleo do mundo e que produz três milhões de barris/dia. Mas há rumores de que, desde a greve de 2003, nunca mais tenha voltado a produzir a plena capacidade. Além disso, não tem investido em exploração e produção porque uma parte indefinida do lucro financia as políticas populistas de Chávez. O presidente venezuelano acabou com qualquer possibilidade de reação dos funcionários da empresa à sua política de botar a mão no caixa da companhia. Demitiu 15 mil funcionários da PDVSA após a greve de 2003 e nomeou como presidente da estatal o seu ministro de Minas e Energia. Hoje ele é o senhor absoluto da PDVSA: uma empresa com números tão opacos quanto o sentido que Chávez dá à palavra "bolivariano". Na Venezuela, vende gasolina fortemente subsidiada. Com algo como R$10 é possível encher um tanque. Tudo porque, na opinião de Chávez, esta é a forma de fazer com que o "povo" se beneficie do petróleo do país, que tem a sexta maior reserva do mundo do produto e a maior reserva latino-americana de gás. O "povo" vê pouco o fruto desta riqueza. Apesar de os preços do petróleo terem disparado nos últimos anos, quadruplicando a receita da companhia e, portanto, aumentando muito o dinheiro do qual o governo se apropria, a pobreza na Venezuela permanece enorme. Só agora, sete anos depois de iniciado o governo Chávez, o país começa a ter os primeiros sinais de redução da pobreza. Ela tinha aumentado em anos anteriores, mesmo em estatísticas que o governo costuma manipular. Nos primeiros cinco anos, aumentou em onze pontos percentuais o número de venezuelanos vivendo abaixo da linha da pobreza. Dados de 2003 mostravam um quarto da população em extrema pobreza, não conseguindo sequer o alimento básico. O temor de perder o poder no referendo fez com que Hugo Chávez iniciasse uma série de programas emergenciais que têm surtido efeito, pelo menos temporário, de redução da pobreza. Segundo dados publicados num artigo do professor Javier Corrales, divulgado pela "Inter-American Dialogue", a Venezuela manda aproximadamente 90 mil barris/dia de petróleo para Cuba. O preço é tão favorável que o cálculo é que 20 mil a 26 mil barris/dia Cuba recebe de graça. Há notícia de que o governo de Fidel Castro reexporta 40 mil a 50 mil barris/dia do que ela recebe, porque ela consome internamente 120 mil barris/dia e produz 80 mil internamente. Se estiver revendendo 40 mil barris, está tendo um lucro de US$2,3 milhões por dia. Em troca, Cuba está mandando técnicos, médicos, pessoal treinado para os programas sociais de Chávez e consultores militares e de inteligência para as beligerâncias do presidente venezuelano. No Brasil, além de financiar escolas de samba, o que a PDVSA tem é um projeto de uma refinaria em Suape que processará 200 mil barris diários, junto com a Petrobras. Se fosse olhar o interesse puramente comercial da empresa brasileira, o sócio deveria ser outro, porque o petróleo disponível na Venezuela é quase tão pesado quanto o nosso. Nos próximos dias, veremos a suposta reencarnação de Simon Bolívar comemorando na Sapucaí sua vitória na primeira intervenção no carnaval brasileiro. Bons tempos aqueles em que a Venezuela cuidava de assuntos venezuelanos e a Vila Isabel, de Martinho da Vila, ganhava o título com a raça de Kizomba.