Título: 'O EMPREGO NÃO ACABOU'
Autor:
Fonte: O Globo, 05/03/2006, Boa Chance, p. 1

O mercado de trabalho ficou mais complexo, mas não mudou tanto quanto dizem analistas, avalia o ministro do Trabalho, Luiz Marinho. O ex-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) discorda da afirmação de que o emprego tradicional, o da carteira assinada, acabou. Mas lista o empreendedorismo, os pequenos negócios e a economia solidária como novas opções de trabalho. E acaba fixando um tempo de duração para o mercado formal: ¿50 anos, pelo menos¿. Para quem está empregado, Marinho faz um alerta: não se pode mais parar de estudar. E, para os jovens, cita os setores de serviços e de alta tecnologia, inclusive no nível técnico, como os mais promissores.

O emprego acabou, como dizem alguns consultores? A saída é o empreendedorismo?

LUIZ MARINHO: Tem gente que diz muita bobagem. Um navio não é produzido por computador. Um livro comprado pela internet não chega sozinho na casa do comprador: alguém tem que entregar. O avanço da tecnologia não elimina o emprego. Temos muitas ações de empreendedorismo, os novos e pequenos negócios, a economia solidária, a indústria de artesanato... todas essas são oportunidades que estão sendo criadas.

Mas é essa a linha desses consultores: que o trabalhador precisa se reinventar...

MARINHO: Sim e não. Não aceito a lógica de que o emprego tradicional acabou. Nós temos que olhar o mercado como um todo. Ainda teremos emprego pelos próximos 50 anos, pelo menos. O mercado não mudou totalmente; ele hoje é mais complexo. Tanto que há setores em que falta mão-de-obra.

Há setores, aliás, importando mão-de-obra. Para o senhor, vale a tese de que o profissional não pode mais parar de estudar?

MARINHO: A qualificação se tornou um fator fundamental para a melhor inserção e manutenção do trabalhador no mercado, assim como para obtenção e manutenção dos postos de melhor qualidade. Reconheço que temos um grande problema de mão-de-obra qualificada. Mas estamos atentos a isso. A quantidade de pessoas atendidas pelos programas do governo ainda é insuficiente. O maior desafio do ministério hoje é elevar a escolaridade e, depois, qualificar o trabalhador.

O que precisa ser feito?

MARINHO: Precisamos de um processo contínuo de qualificação, de formação: acadêmica e técnica. E esse é um desafio de governo, não só do Ministério do Trabalho. Precisamos recuperar as escolas técnicas. É preciso investir na formação de base, como o MEC está fazendo. E, com ajuda de convênios com prefeituras e entidades setoriais, investimos em unidades de qualificação nos setores aéreos e de metalurgia. Agora, faremos no setor naval, no Rio. Quanto à requalificação, contamos também com o sistema S.

Muita gente reclama dos preços dos cursos do sistema S: dizem que estão altos demais...

MARINHO: Vira e mexe temos essa reclamação, sim. Mas essa é uma discussão ainda a ser feita. De qualquer forma, é bom lembrar que o sistema S presta um grande serviço.

Quantos empregos devem ser criados este ano? Segundo analistas, serão mais do que em 2005, mas menos do que em 2004.

MARINHO: A geração de novos postos de trabalho deve ficar próxima à de 2004, quando, considerado o saldo entre admissões e demissões, foi gerado um milhão e meio de empregos. Estes analistas aos quais você se refere estão prevendo alta do PIB de 3% a 3,5% em 2006, mas acho que podemos ultrapassar este patamar.

Que setores deverão empregar mais?

MARINHO: (1) A produção industrial de bens de consumo duráveis será favorecida pela redução da taxa de juros Selic, associada ao aumento da demanda de produtos como TV em cores, por conta da Copa do Mundo, além da expressiva expansão do crédito. (2) No setor de serviços, a produção de bens voltada para a população de baixa renda ganhará escala com o reajuste do salário-mínimo de 2006. (3) A construção civil também deve abrir mais vagas por conta das melhoras no financiamento, associadas ao recente pacote de desoneração tributária dos materiais de construção. (4) Por último, para a agropecuária também temos boas expectativas: o setor deve ter um desempenho melhor do que no ano passado, quando foi bem afetado pela estiagem, por conta de medidas como o refinanciamento com recursos do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador).

E em que setores devem apostar os jovens que estão escolhendo uma profissão agora, para chegar ao mercado de trabalho dentro de três a cinco anos?

MARINHO: Vale a pena investir no setor de serviços, na área da educação; e na indústria... em profissões como mecatrônica, por exemplo, não conheço ninguém formado que esteja desempregado. Setores de alta tecnologia também são recomendáveis diante da escassez de mão-de-obra qualificada. Entre as profissões técnicas de nível médio, os destaques ficam com as áreas de ciências físicas, químicas e engenharia; técnicos em ciências administrativas e em ciências biológicas e bioquímicas.

Como o senhor analisa o mercado de trabalho brasileiro hoje?

MARINHO: Tradicionalmente, na medida em que as economias se desenvolvem, num primeiro estágio principalmente, a parcela dos empregos no setor industrial aumenta, enquanto a importância relativa do emprego agrícola diminui. Em um estágio mais avançando de desenvolvimento, o setor mais dinâmico em termos de geração de empregos passa a ser o de serviços. No Brasil, na década de 90, observou-se crescimento da importância relativa dos serviços no total de empregos. Tal fato se explica, também, pelo fraco desempenho da produção industrial do começo da década de 90 até 2003. Assim, as ocupações ligadas ao setor de serviços vêm tendo e devem continuar a ter desempenho bastante favorável em um futuro próximo.

No caso da educação, por que o mercado vai crescer?

MARINHO: O número de estudantes de curso superior deve crescer por conta do Programa Universidade para Todos, o PROUNI, do governo federal, que, no primeiro processo seletivo, ofereceu 112 mil bolsas integrais e parciais, em 1.142 instituições de ensino superior do país, e, em 2006, oferecerá 130 mil bolsas.

O Estado do Rio deve continuar na terceira posição entre os que mais empregam? Em que setores a oferta de trabalho tende a aumentar?

MARINHO: Em 2006, em termos absolutos, o Rio deverá continuar em destaque como um dos estados que mais gera empregos formais no Brasil. As explicações para isso são o próprio tamanho do mercado, mas, especialmente, os pesados investimentos que o presidente Lula está fazendo na região ¿ como na construção da Vila Pan-Americana, com recursos do FAT; a recuperação da indústria naval a partir da construção das plataformas etc.

O presidente Lula esperava criar dez milhões de empregos em quatro anos. As estimativas hoje são de que essas vagas ficarão pela metade, em cinco milhões. A que o senhor atribui a diferença? Promessa de campanha, crescimento contido ou simples erro de projeção?

MARINHO: O programa de governo do presidente Lula constatou a necessidade de gerar dez milhões de novos postos de trabalho. A promessa de campanha do presidente foi trabalhar fortemente para gerar o maior número de empregos possíveis. E este compromisso está sendo cumprido. Em 36 meses, o governo Lula gerou 3,4 milhões novos empregos com carteira de trabalho. Quando falamos em cinco milhões, estamos nos referindo só a empregos com carteira assinada. Não consideramos sequer os postos de trabalho criados via investimentos pesados que este governo está fazendo na agricultura familiar nem tampouco os criados na economia solidária. Considerando todos os tipos de ocupações, o governo pode gerar algo em torno de 8 a 8,5 milhões de postos de trabalhos.