Título: MADRUGADA ENTRE PALAVRAS DE ORDEM E POESIA
Autor: Letícia Lins
Fonte: O Globo, 06/03/2006, O PAÍS, p. 6

Líderes conclamaram manifestantes com textos de Brecht, José Martí e Patativa do Assaré

SÃO LOURENÇO DA MATA (PE). A mobilização para ocupar as terras da Usina Tiúma começou antes da meia-noite de sábado, quando chegaram ao acampamento Chico Mendes os líderes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e os reforços vindos de outras cidades para uma assembléia. Às 4h30m, a ocupação começou a ser discutida. Dez minutos depois, os sem-terra foram convocados com batidas em um disco de arado que funciona como sino. Às 4h50m, os militantes já estavam concentrados às margens da BR-408. Dez minutos depois, veio o toque com sineta convocando o pessoal. Era o início da ¿mística¿, com declamações e palavras de ordem, tais como ¿MST, essa luta é necessária¿, ¿Para fazer reforma agrária, rebeldia é necessária¿.

Propriedade estava sem vigilantes na madrugada

Nos dez minutos seguintes, Eduardo Vítor da Rocha, o Motorzinho, um dos líderes do MST na região, começou a conclamar os lavradores a engrossar a massa que se concentrava no acampamento: ¿ Se o campo não planta, a cidade não janta. E completava: ¿ Ousadia é necessária para fazer reforma agrária. Pouco depois, o novo coordenador do movimento na região, Josias Barros, tomou a palavra para declamar textos de poetas, entre os quais Ademar Bogo (do próprio MST), José Martí (herói da independência cubana) e Patativa do Assaré (poeta e cantador das mazelas da seca, nascido no Ceará e já falecido). Aos gritos de avançar, resistir, produzir, os sem-terra cruzaram a BR-408 e marcharam até o engenho São João. Ali começaram a derrubar a cerca, que classificaram como ¿maldição do latifúndio¿. Não encontraram resistência. A propriedade, que fora ocupada anteriormente e teve de ser abandonada com uso da força policial, estava sem vigilantes. Sentado na porteira do engenho, Josias recitava o poema ¿Elogio do aprendizado¿, do alemão Bertolt Brecht (1898-1956): ¿ Aprenda o mais simples!/ Para aqueles cuja hora chegou/ Nunca é tarde demais!/ Aprenda o ABC; não basta, mas/ Aprenda! Não desanime!/ Comece!/ É preciso saber tudo!/ Você tem que assumir o comando!/ ... Aprenda, homem na prisão!/ Aprenda, mulher na cozinha!/... Não se envergonhe de perguntar.../ O que não sabe por conta própria,/ Não sabe./ Verifique a conta/ É você que vai pagar.

MST usa poesia para preparar a militância

Josias, que dirige o MST na Região Metropolitana e Zona da Mata, contou que tem usado poemas, inclusive de Pablo Neruda, nos grupos de estudo com a militância. ¿ Aprendi a gostar de poesia no MST. A gente lê e tira dela muita preparação política ¿ disse, citando versos de Patativa do Assaré, no qual ele chora a morte da filha de 6 anos em razão da seca e conclama o sertanejo a lutar. Por volta das 7h da manhã, começaram a chegar ao acampamento sacos de arroz, feijão e farinha, para alimentar os lavradores acampados. Os alimentos eram carregados nos ombros dos sem-terra ou em carroças improvisadas em caixas metálicas de geladeiras sucateadas (Letícia Lins).