Título: Recebeu R$102 mil do valerioduto e foi absolvido
Autor: Maria Lima e Isabel Braga
Fonte: O Globo, 09/03/2006, O País, p. 3

Após um discurso carregado de emoção e mágoa, o deputado Roberto Brant (PFL-MG) desceu da tribuna do plenário da Câmara absolvido. Numa atitude inédita, um parlamentar acusado de quebra de decoro parlamentar foi aplaudido de pé pelos colegas de Parlamento, que fizeram fila para abraçá-lo, beijá-lo e dizer que não seria cassado. Como se previa, o plenário contrariou o Conselho de Ética e vetou o pedido de cassação do mandato de Brant, acusado de receber e não declarar doação de R$102 mil da Usiminas, repassados pela empresa SMP&B em 2004.

Os pefelistas comemoraram o placar: o relatório de Nélson Trad (PMDB-MS) foi rejeitado por 283 votos não, 156 votos sim, 18 abstenções e um em branco. Foi o terceiro dos 18 deputados do valerioduto processados no Conselho a escapar da cassação. Sandro Mabel (PL-GO) e Romeu Queiroz (PTB-MG) foram os primeiros.

Eufóricos com o resultado, os petistas esperavam o mesmo veredito para o deputado Professor Luizinho (PT-SP), cujo processo começou a ser votado em seguida. Luizinho é acusado de receber, por meio de um assessor, R$20 mil do valerioduto.

Brant não teve o apoio só do PFL e do PSDB, que juntos têm 110 votos. Teve votos de deputados de quase todos os partidos. Por poucos minutos, o placar esteve quase empatado.

¿ Uai! Tem alguma coisa errada! ¿ reagiu Brant, acalmado pelo presidente do PFL, Jorge Bornhausen (SC).

Júlio Delgado: ¿Fica claro o acordão¿

Em seguida o ¿não¿ disparou. O resultado foi comemorado 15 minutos antes de ser finalizada a apuração conduzida por Aldo Rebelo.

¿ Sempre imaginei que seria absolvido e a margem foi expressiva, o que demonstra o conceito que a Casa faz a meu respeito. Claro, estou aliviado! ¿ comemorou Brant, repetindo que pretende deixar a vida pública.

Os membros do Conselho não esconderam a decepção:

¿ Esse resultado deixa claro que fica caracterizado o acordão ¿ protestou Júlio Delgado (PSB-MG).

¿ O Conselho perdeu a razão de existir ¿ completou Cézar Schirmer (PMDB-RS), relator do processo de João Paulo Cunha (PT-SP).

Professor Luizinho passou a tarde cabalando votos e não escondia a confiança. O discurso de Mussa Demes (PFL-PI) defendendo Luizinho aumentou a suspeita de acordão.

¿ O João Paulo, que ontem estava desfigurado diante do parecer do Schirmer, hoje está todo sorridente. Isso deixa a gente descrente ¿ completou Chico Alencar (PSOL-RJ).

¿ O PT fez como se fosse um investimento. Votou a favor do Brant e depois tem a retribuição ¿ disse o presidente do Conselho, Ricardo Izar.

¿ Em nenhum momento da minha vida faltei com a verdade. Não mudei e nem alterei minha opinião. Tenho convicção da minha inocência, sei que fui envolvido, pegaram recursos em meu nome ¿ disse Luizinho, antes da votação.

O clima, desde cedo, era de dupla absolvição. Brant porque tinha votos em todos os partidos, e Luizinho, porque poderia ser beneficiado pelo baixo quórum na sessão noturna.

¿ Eu não acho, eu tenho certeza. Os dois serão absolvidos. Nasci nesta Casa e tenho ouvido. O que tenho ouvido nos últimos três dias é que não há espírito para cassar ninguém. O Brant vai ser de lavada, mas o Luizinho, por menos ¿ previu Laura Carneiro (PFL-RJ).

O relator do caso Brant, Nelson Trad, reforçou o fato de o recurso que Brant recebeu da Usiminas (R$102,8 mil em espécie) ter sido sacado da conta da empresa SMP&B, do empresário Marcos Valério, que capitaneou o esquema do mensalão. O pagamento foi feito no Banco Rural de Belo Horizonte ao coordenador da campanha de Brant para a prefeitura de Belo Horizonte, Nestor Francisco de Oliveira, em 25 de agosto de 2004.

¿ O pagamento em espécie, e não em cheque nominativo à campanha do candidato, demonstra conluio entre a SMP&B e a Usiminas e a conivência do candidato, que aceitou recursos por via irregular ou intermediação espúria, sabidamente indeclaráveis ou incontabilizáveis, que desafiavam a Lei Eleitoral ¿ disse Trad.

Trad disse que, apesar de ser amigo de Brant, tinha como obrigação centrar seu voto não na história de vida do pefelista, mas nos fatos. E exortou os colegas, que mal prestavam atenção às suas palavras:

¿ Há direta fiscalização do povo, não há mais sigilo bancário para os senhores deputados, não há mais sequer respeito à vida pessoal. Estamos apurando denúncias contra companheiros e nem por isso desistimos. Não tivemos receio nem vacilamos; ao contrário, pela primeira vez em um só ano ¿ é com tristeza que digo isso ¿ punimos três companheiros que praticaram atos irregulares.

Atuando como seu próprio advogado, Brant ganhou a absolvição com um discurso emocional, em que conclamou os companheiros a se rebelarem contra a opinião pública que cobra punições contra os acusados. Disse que o Congresso não pode se curvar, que os parlamentares têm que enfrentar a opinião pública, pois ela não é o povo, é bem menor que ele.

Brant criticou a condução dos processos no Conselho de Ética, e disse que, mesmo absolvido, a condenação seria definitiva, pois passará a vida tendo que implorar para ser absolvido da acusação de receber R$102 mil da Usiminas. Antes do discurso, enquanto Trad lia seu parecer, os poucos parlamentares em plenário se revezavam na rodinha onde Brant recebia cumprimentos solidários. Em determinado momento ele foi cercado por Romeu Queiroz (PTB-MG), último absolvido, e João Paulo Cunha (PT-SP), outro suspeito do valerioduto.