Título: PROFUNDA MUDANÇA
Autor:
Fonte: O Globo, 09/03/2006, Opinião, p. 6

A CUT apóia com entusiasmo o projeto de lei que destina pelo menos metade das vagas nas universidades federais para alunos egressos das escolas públicas. É preciso uma medida ousada como essa para que não se perpetue a concorrência desleal, entre os mais ricos e os mais pobres, na luta por espaços no mercado e por uma consciência cidadã mais ampla.

Um dos argumentos contrários aponta que a medida é discriminatória. A verdadeira discriminação já existe, assim como um sistema de cotas para quem paga mensalidades altíssimas a escolas cujo modelo pedagógico, em sua maioria, tem como finalidade principal a criação de campeões do vestibular, compondo uma cadeia quase industrial de ocupação das vagas em universidades federais. Outra falácia é dizer que alunos da rede pública não conseguirão acompanhar o ritmo. Na Unicamp, esses estudantes tiveram notas superiores aos demais em 29 cursos, ao longo do ano passado, e registraram o mesmo desempenho de alunos originários da rede privada em outros 31 cursos. O sistema de cotas não dispensa a necessidade urgente de revitalização do ensino público fundamental e médio. Porém, afirmar que somente essa profunda melhoria deve garantir o acesso dos mais pobres às universidades federais é o mesmo que repetir que o povo brasileiro precisa esperar o bolo crescer para, só então, querer algum pedaço. Acreditamos, ao contrário, que as cotas vão revolucionar o cotidiano das universidades ao derrubar cercas.

Quanto ao mérito, as vagas reservadas serão disputadas através de vestibular, com notas de corte iguais às da última seleção a ser realizada no sistema tradicional, segundo o projeto de lei. Combinada a medidas como o Fundeb, o aumento de vagas e ampliação do ciclo do ensino fundamental e médio, e com a necessária mobilização social, tal proposta pode abrir caminho a uma profunda mudança.