Título: Traficantes voltam a atacar militares a tiros
Autor: Cristiane de Cássia
Fonte: O Globo, 09/03/2006, Rio, p. 13

Os soldados que estão ocupando o Morro da Providência, no Centro, voltaram a ser atacados ontem à noite por traficantes. O confronto, que durou pelo menos 30 minutos, começou, segundo o coronel Fernando Lemos, assessor de imprensa do Comando Militar do Leste, quando bandidos do Morro do Pinto, vizinho à Providência, atiraram na direção dos militares, que revidaram. Segundo o coronel, ninguém do Exército foi atingido. Até o fim da noite, não havia notícias de bandidos ou moradores feridos.

Na Favela de Manguinhos, também houve confronto no final da noite de anteontem entre militares e traficantes. Ninguém ficou ferido, mas o tiroteio assustou moradores e fez com que os militares reforçassem sua segurança no local.

Soldados fazem revistas em estação de trem

O Exército montou barricadas com sacos de areia para proteger os soldados de tiros na estação ferroviária de Manguinhos e na Avenida dos Democráticos. Na via também foi feito um bloqueio e o tráfego ficou em meia pista nos dois sentidos. O Exército providenciou até um jacaré (barra de ferro com pregos), para furar os pneus de quem tentasse fugir.

Além de carros na avenida, quem passava pela plataforma da estação de trem, com as paredes crivadas de tiros, também era revistado.

¿ É a estação do medo. Só dá para ficar aqui até às 17h. Depois desse horário, os traficantes tomam conta ¿ comentou uma ambulante.

Na Favela da Fazendinha, que faz parte do Complexo do Alemão, também houve um reforço de tropas do Exército ontem à tarde. Com auxílio de dois helicópteros, os militares, que estavam até então apenas nos acessos da favela, revistando carros que entravam e saíam, fizeram uma incursão. À tarde, com a chegada de mais homens, eles fecharam um dos sentidos da Estrada Velha da Pavuna e começaram a vasculhar as ruas da favela. Traficantes soltaram fogos para avisar sobre a chegada do Exército, mas não houve confronto.

Seguidos por um carro com equipamento de som, os soldados revistavam todos que passavam. Pelo alto-falante, um militar explicava aos moradores que eles estavam tentando recuperar dez fuzis e uma pistola roubados de um quartel na semana passada. O militar dizia que as armas ajudariam a aumentar a violência e pedia que quem soubesse do paradeiro das armas ligasse para o Disque-Denúncia (2253-1177).

¿ Os nossos soldados são treinados e podem reagir caso sejam ameaçados ¿ disse o militar, no alto-falante.

No Morro do Dendê, na Ilha do Governador, onde anteontem traficantes debocharam dos militares, bandidos agitaram ontem de manhã panos brancos para os soldados e mostraram peixes que estavam fritando para o almoço. O clima de aparente tranqüilidade era enganoso: circulando por trás de uma barricada de entulho, os bandidos, usando radiotransmissores, soltaram fogos e vigiaram o tempo todo os homens do Exército, que estavam a 200 metros de uma ¿boca-de-fumo¿.

Posicionados na linha de tiro, na esquina das ruas Pereira Alves e Fleury Silva, os militares tiveram dificuldades para obter ajuda da população. Moradores da favela e dos arredores foram proibidos de oferecer até água para a tropa.

¿ As pessoas estão dizendo que quem der água para a gente vai ter que se ver com os traficantes depois ¿ disse um soldado.

Apesar do clima tenso, não houve confrontos no Dendê desde anteontem, quando começou o cerco. Para não se tornarem alvos fáceis para os bandidos, soldados procuraram ficar atrás de postes e de árvores na Rua Fleury Silva, considerada por policiais militares uma área perigosa. Como ela fica na entrada do morro, os traficantes, posicionados mais para cima, têm uma visão privilegiada e costumam atirar nos policiais quando eles passam pelo local.

¿ Um PM disse que a gente era louco de ficar aqui, na linha de tiro ¿ chegou a comentar um soldado.

Na Mangueira, com medo de tiroteios, parte dos comerciantes mantiveram as portas fechadas ontem na Rua Visconde de Niterói, o principal acesso à favela. Na Providência, a rejeição à ocupação do Exército foi grande: os panfletos distribuídos na véspera pedindo informações sobre as armas viraram lixo. À tarde, 15 pessoas fizeram um protesto reivindicando projetos sociais do governo federal.