Título: Copom inabalável
Autor: Patrícia Duarte, Patrícia Eloy e Aguinaldo Novo
Fonte: O Globo, 09/03/2006, Economia, p. 21

Apesar de a equipe econômica apostar num crescimento do país mais acelerado este ano, o Banco Central (BC) manteve ontem o ritmo de redução dos juros básicos, a Selic. Pela sexta vez consecutiva, o Comitê de Política Monetária (Copom) decidiu ontem cortar a taxa para 16,5% ao ano. A redução, de 0,75 ponto percentual, era esperada pelo mercado mas dividiu os diretores da instituição: seis optaram por esse corte e três deles queriam queda maior, de 1 ponto. Especialistas argumentam que, apesar de já haver espaço para movimento mais agressivos do BC, a autoridade monetária vem conduzindo a política monetária de forma cautelosa. Por isso, acabou repetindo a intensidade de janeiro, na reunião anterior do comitê.

A postura conservadora, no entanto, pode comprometer o crescimento econômico deste ano, segundo Antonio Licha, coordenador do Grupo de Conjuntura da UFRJ. Ele lembra que a média de mercado projeta uma expansão do Produto Interno Bruto (PIB, o conjunto das riquezas produzidas no país) da ordem de 3,5%, enquanto os emergentes têm crescido mais de 5% nos últimos dois anos.

¿ Se a Taxa Selic continuar a cair nesse ritmo de 0,75 ponto percentual a cada reunião, teremos que revisar nossas projeções de crescimento de 3,8% em 2006, ainda otimista. Se o BC acelerar os cortes em abril, dado o prazo de cerca de seis meses para que a economia real sinta os efeitos da queda de juros, a atividade só responderá no último trimestre do ano. O governo Lula desfrutou de um céu de brigadeiro no cenário internacional, do qual todos os países emergentes tiraram proveito. No entanto, não apenas perdemos o bonde, mas aumentamos muito a diferença entre o Brasil e os outros emergentes. Estamos ficando cada vez mais para trás ¿ avalia Licha.

Na penúltima reunião do Copom, em dezembro, os diretores já não haviam chegado a um consenso. Dos oito presentes, seis optaram pelo corte de 0,5 ponto percentual mas dois queriam redução de 0,75 ponto. A Selic, então, caiu para 18% ao ano.

Solange Srour, economista da Mellon Global Investments Brasil, estima um corte de 0,75 em abril, mas não acredita que reduções de juros mais lentas que o esperado reduzam as projeções de crescimento para 2006:

¿ O crescimento para este ano deve ser de 3,5%, apesar dos juros ainda altos. Se continuarmos com cortes de 0,75 ponto em cada reunião e chegarmos a juros de 14% em dezembro, o Brasil voltará no tempo, com taxas reais de 9% a 9,5%, patamar que só ostentamos em 2000. E, em 2007, pode ser que, pela primeira vez, tenhamos um juro real inferior a 9%.

Mesmo com os repiques de preços vistos no início deste ano, sobretudo pelos gastos maiores com educação, os economistas continuam apostando que a inflação não será afetada ao longo do ano. O relatório Focus do BC desta semana mostrou que o mercado aposta que o IPCA ficará em 4,56% neste ano, praticamente no centro da meta do governo para o período, de 4,50%. Nem mesmo os aumentos de preços do álcool, que ultrapassaram os R$2 o litro e devem ter reflexo nos indicadores de março, tiram o sono dos especialistas.

Para o estrategista-chefe do PNB Paribas, Alexandre Lintz, o fato de o real continuar forte frente ao dólar ajuda a segurar elevações mais fortes sobretudo nos preços das commodities, refletindo positivamente nos índices inflacionários. No ano, a moeda brasileira acumula alta em torno de 7% em relação à americana. O especialista não descarta a possibilidade de o Copom reduzir a Selic em um ponto na próxima reunião, que acontece nos dias 18 e 19 de abril.

Na reunião de ontem, que durou quase quatro horas, o BC apenas informou que estava ¿dando continuidade ao processo de flexibilização da política monetária.¿

A decisão do Copom foi recebida com críticas por empresários e sindicalistas, que defendiam um corte maior. Para a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), os diretores do BC podem ter confundido independência com soberba.

¿ A decisão mostra que o BC não se importa com o ritmo comportado da inflação, não se preocupa com a ridícula taxa de crescimento que o Brasil apresenta, sente-se livre dos princípios que regem a lógica. Verdade é que torna-se difícil classificar esta atitude: será independência ou soberba? ¿ perguntou o presidente da entidade, Paulo Skaf.

Campanhas salariais podem ser afetadas

Segundo o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto, a atual situação da economia não justifica a manutenção de juros reais básicos tão elevados, acima de 11% ao ano:

¿ Há espaço para um corte maior.

Para o presidente da CUT, João Felício, a equipe econômica tem a idéia falsa ¿de que a inflação é o único mal da existência humana¿. Já o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, afirmou que o corte da Selic aquém do desejado vai afetar a atividade da economia e comprometer as campanhas salariais com data-base no primeiro semestre.