Título: FILHOS DE MULHERES NEGRAS AJUDAM MAIS EM CASA
Autor: Geralda Doca
Fonte: O Globo, 09/03/2006, Economia, p. 26

Mesmo quando chefiam famílias, elas dependem de bolsa e até do trabalho infantil para compor o orçamento

BRASÍLIA. A discriminação no mercado de trabalho, que leva as mulheres a ganharem salários menores na comparação com os homens, faz com que as famílias chefiadas por elas, sobretudo as negras, sejam mais dependentes de filhos, parentes, programas de transferência de renda e doações para garantir a sobrevivência do lar. Segundo pesquisa divulgada ontem pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), as chefes de família negras representam 57,3% da renda familiar, contra 65,5% das chefes brancas e 66,8% dos homens brancos.

Para complementar o orçamento familiar, os filhos de chefes negras contribuem com 23,1%, recursos que vêm desde programas como Bolsa Família ao trabalho infantil, além de doações e de ajuda de terceiros. No caso das mulheres brancas, esse percentual cai para 17,3% e no dos homens brancos, a 11,2%.

O trabalho mostra também que 67,9% dos rendimentos nos domicílios chefiados por homens brancos vêm do trabalho e apenas 11,6% de aposentadorias e pensões. Já entre as chefes de família brancas, a contribuição dos idosos sobe para 23,4% e entre as negras, para 24%.

¿ Parte significativa da renda das famílias lideradas por mulheres vêm de doações e políticas públicas ¿ disse a diretora do escritório da OIT no Brasil, Lais Abramo, acrescentando que a discriminação de gênero e raça tem peso forte na desigualdade social no Brasil.

Especialista defende melhoria do salário-mínimo

Para a coordenadora do Observatório do Mercado de Trabalho do Ministério do Trabalho, Paula Montagner, os dados reforçam a necessidades de se adotar uma política de valorização do salário-mínimo e de continuidade dos programas sociais para beneficiar as famílias mais pobres e com maiores dificuldades de obter renda.

O trabalho elaborado a partir da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE, confirma que a maior parte do orçamento das famílias chefiadas por mulheres é consumida com despesas com moradia e alimentação. As chefes negras gastam 38,2% da renda familiar com habitação, enquanto as brancas, 35,5% e os homens brancos, 30,2%.

Com alimentação, os domicílios comandados por negras gastam 19,2%. No caso das brancas, esse percentual cai para 14,3%. Também chamou a atenção da OIT o peso insignificante dos investimentos dos 10% mais pobres do país em educação. Neste caso, os gastos não chegam a 1% (0,9% do rendimento familiar), enquanto os 10% mais ricos aplicam 5,6%.

Segundo a pesquisa do IBGE, 73,7% das famílias são chefiadas por homens e 26,3% por mulheres, sendo que 54,3% das famílias brasileiras são lideradas por pessoas brancas e 45,7%, por negras.

OIT diz que problema continuará por muito tempo

A diretora da OIT destacou que o problema da desigualdade social é estrutural e continuará por muito tempo nos debates sobre a redução da pobreza e adoção de uma agenda de trabalho decente no país, que elimine a discriminação no mercado de trabalho. Ela defendeu que o governo somente repasse o dinheiro dos programas de transferência de renda às mulheres, como uma forma de atacar a concentração da renda familiar nas mãos dos homens.

¿ A decisão de entregar os recursos às mulheres é uma forma mais confiável de garantir que as crianças sejam beneficiadas ¿ destacou Lais.