Título: DIVERGÊNCIAS PODEM ATRASAR REFORMA DA ONU
Autor: Helena Celestino
Fonte: O Globo, 09/03/2006, O Mundo, p. 28

Países em desenvolvimento reclamam de concentração de poder, ricos criticam juros e funcionários temem terceirização

NOVA YORK. Vai demorar anos para a ONU conseguir pôr em prática a reforma radical na administração que o secretário-geral Kofi Annan apresentou terça-feira à Assembléia Geral. Esta era a opinião geral ontem entre diplomatas e funcionários em Nova York: todos aprovaram a proposta de dar uma sacudida geral na sexagenária organização, mas todos também já começaram a criticar o projeto.

Os países em desenvolvimento estão desconfiados de que se trata de mais uma manobra para concentrar o poder na mão das nações mais poderosas, os ricos não gostaram da idéia de pagar juros sobre as contribuições em atraso e os funcionários já começaram a protestar contra a intenção de terceirizar alguns serviços para países asiáticos para cortar custos.

Desta vez, o país mais contente com o projeto de reforma foram os Estados Unidos. Sob pressão para corrigir as falhas na administração da ONU, mais evidentes com os escândalos de corrupção no programa Petróleo por Comida no Iraque, Annan apresentou um projeto de 33 páginas que praticamente reproduz as propostas defendidas por Washington.

Com a falta de diplomacia habitual, o chefe da delegação americana, embaixador John Bolton, disse que o maior problema agora seria convencer os outros 190 países-membros de que essa não era uma reforma só de interesse dos EUA mas pedida pelo secretariado-geral.

Comissão sobre projetos em meio à polêmica

Bolton expressou em voz alta o que ainda é conversado a portas fechadas. Há o risco de a reforma abrir mais uma guerra entre os países em desenvolvimento e os ricos, pois algumas medidas foram interpretadas como uma forma de esvaziar a Assembléia Geral e concentrar o poder nas mãos das 15 nações do Conselho de Segurança, especialmente as cinco com assento permanente: EUA, Rússia, China, França e Reino Unido. A maior polêmica deve se concentrar em duas questões aparentemente técnicas: o poder do secretariado-geral de remanejar pessoal entre programas ¿ ou seja esvaziar e inflar projetos sem consultar países ¿ e a redução de membros da quinta comissão.

¿ A quinta comissão, da qual participam todos os países, é o espaço onde todos os projetos da ONU viram realidade, passam a ter verba e pessoal. Dar acesso à quinta comissão a só um grupo de países é concentrar poder ¿ explica um diplomata.

A proposta de mudanças na gestão de recursos humanos já começou a criar confusão também. Na tentativa de adotar métodos das grandes empresas, Annan anunciou que pretende terceirizar e deslocar serviços para cortar custos, começando com a transferência para países asiáticos dos serviços de tradução, que ocupam 350 pessoas em Nova York. Ele estima que economizaria US$35 milhões, mas poderia cortar ainda mais gastos com a transferência para países de mão-de-obra mais barata dos serviços de edição e impressão de publicações, além de ações administrativas, como a folha de pagamento.

¿ É preciso acabar com o constante esforço da administração para erradicar empregos, acabar com os direitos e benefícios dos funcionários ¿ reagiu a americana Rosemary Waters, chefe do comitê de empregados da ONU, prometendo uma campanha contra a idéia de Annan de transferir os serviços de tradução e edição.