Título: 7 MILHÕES SAEM DA CLASSE MÉDIA NO BRASIL
Autor: Aguinaldo Novo
Fonte: O Globo, 08/03/2006, Economia, p. 38

Baixo crescimento nas últimas décadas encolheu estrato social, diz estudo de economistas. Crescem gastos com habitação e transporte

SÃO PAULO. Entre 1980 e 2000, como efeito do pífio crescimento da economia e do ajuste do mercado de trabalho, cerca de 10,1 milhões de trabalhadores de classe média perderam o emprego. Destes, sete milhões não conseguiram mais recuperar o posto e a renda anteriores, deixando de compor a classe média no país. A conclusão é do livro "Classe média - desenvolvimento e crise", trabalho dos economistas Marcio Pochmann, Alexandre Guerra, Ricardo Amorim e Ronnie Silva, que será lançado na Bienal Internacional de São Paulo.

O estudo, que demorou 16 meses para ficar pronto, traduziu em números o que boa parte dos brasileiros sente no bolso: a classe média empobreceu, perdeu seu antigo padrão de vida e viu evaporar o sonho de ascensão social. Com dados do IBGE, os economistas mostram que em 1980 os assalariados desse estrato social respondiam por 31,7% da População Economicamente Ativa (PEA) ocupada nas regiões urbanas. Após 20 anos, essa participação despencou para 27,1%.

- O ajuste do mercado de trabalho se deu, principalmente, nos cargos historicamente de classe média, como gerente de empresa, professor, administrador e cargos da burocracia pública e privada - disse Pochmann.

Sem emprego e renda, a classe média perdeu confortos antes garantidos, como o padrão de consumo. O livro diz que nos últimos anos recursos antes usados na compra de bens ou em recreação e cultura passaram a pagar itens básicos, como habitação e transporte. O gasto com habitação, que em 1987 respondia por 17,6% do consumo total da classe média, em 2003 pulou para 29,5% do orçamento familiar. Transporte foi de 8,7% para 16,9%.

E o item "aumento de ativo", que corresponde à aquisição de novos bens (imóveis e carros) e a manutenção de investimentos bancários, caiu de 10,8% para 3,9%. "O consumo, pedra angular de diferenciação da classe média, passa a sofrer reveses que parecem levar a uma popularização do seu padrão de gastos", escrevem os economistas no livro.

Mais emblemático da crise foi o aumento da desigualdade dentro da classe média. A fatia da classe média-baixa (professores, lojistas, vendedores, entre outros) passou de 44,5% do total do estrato, em 1980, para 54,1% em 2000. A da classe média-média (ocupações técnico-científicas, postos-chaves da burocracia pública e privada) caiu de 32,2% para 23,1%, enquanto a da classe média-alta (executivos, gerentes, administradores) teve certa estabilidade no período (de 23,2% para 22,8%).

'No ritmo atual será difícil construir país menos desigual'

Segundo os economistas, a classe média prosperou durante a industrialização do país, até o início dos anos 80. Daí sua grande dependência do trabalho assalariado. Hoje, seus integrantes são 57,8 milhões de pessoas no Brasil. A valores de novembro de 2005, a renda familiar per capita desse segmento social vai de R$263 (1,7 salário-mínimo per capita) a R$2.928 (19,4 mínimos).

Das famílias de classe média, 57,2% estão no Sudeste e 18,3%, no Sul. Assim, três em cada quatro famílias de classe média vivem nessas regiões. A cidade de São Paulo lidera o ranking, com 1.728.955 de famílias de classe média (11,2% do total no país e 33,2% do total no estado). Em segundo lugar, o Rio tem 971.187 famílias de classe média. Isso equivale a 6,3% do total no país e a 53,1% no estado.

O brasileiro de classe média se destaca na escolaridade. Desse estrato, 2,7% nunca freqüentaram a escola, contra 12,3% do total da população do país. E 18,5% deles informam ter curso superior ou pós-graduação concluída, acima dos 9,5% da média do país.

A recuperação do mercado formal de emprego nos últimos dois anos não teve força para mudar o cenário, diz Pochmann, pois cerca de 90% das novas vagas da indústria e do comércio têm remuneração só até dois mínimos:

- Nesse ritmo será difícil construir um país menos desigual.

INCLUI QUADRO: SONHO DE ASCENSÃO SOCIAL MAIS DISTANTE