Título: EXÉRCITO PODE FICAR
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 13/03/2006, O País, p. 4

Há tempos o governo Lula tenta intervir na segurança do Rio. Mas esbarra sempre no casal Garotinho, com quem a conversa é complicada. Agora, porém, o fato está criado. As tropas ocuparam as favelas e estão em guerra com os traficantes. E o que se discute hoje em Brasília é uma forma de manter a intervenção mesmo depois de recuperadas as armas roubadas.

Uma das idéias examinadas no Planalto e nos Ministérios da Justiça e da Defesa é substituir as tropas que estão agindo neste momento pela brigada do Exército treinada em Goiás especialmente para agir na área da segurança nos grandes centros urbanos em conjunto com as polícias militares. Essas forças especiais estariam mais preparadas para lidar com conflitos com o tráfico, reduzindo ao mínimo possível os riscos para a população inocente.

¿ Essa é a oportunidade que o governo tem de agir de uma vez por todas para combater o tráfico no Rio. As tropas não podem simplesmente virar as costas e ir embora ¿ diz o deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), que participa das conversas no governo.

Segundo Biscaia, há embasamento constitucional e legal para a permanência do Exército por mais tempo nos morros ou até nas ruas, numa operação conjunta com o governo estadual.

Mas é aí que as coisas complicam. Nas tentativas anteriores de se colocar a força-tarefa nas ruas, a governadora Rosinha recusou-se a assinar ofício pedindo a intervenção de forças federais na segurança do Estado. Como isso é requisito essencial, e só restaria a opção da intervenção federal prevista na Constituição ¿ medida extrema que seria uma violência política da União contra o estado ¿ nada feito.

Agora, porém, avalia-se no Planalto que a situação pode ser diferente. Juridicamente, o roubo das armas no quartel do Exército deu a justificativa para as tropas subirem os morros. No limite, enquanto não acharem, podem ficar lá.

Politicamente, há também fortes argumentos. Apesar das manifestações de comunidades das favelas ¿ algumas nitidamente estimuladas e forçadas pelo tráfico ilhado ¿ há indicações de que a maioria da população do Rio aprova a ação. Afinal, as estatísticas mostram redução nos índices de criminalidade nas áreas próximas às favelas ocupadas.

Por tudo isso, há expectativa de que a governadora, percebendo tratar-se de canoa politicamente interessante, nela poderá embarcar, assinando o tal ofício. A menos de uma semana das prévias do PMDB, quando se estará decidindo o futuro da família Garotinho, é bom ficar de olho.

Politicamente, porém, não há dúvidas sobre quem ganha mais com a operação, se bem-sucedida: Lula, que no ano eleitoral de 2006 precisa muito recuperar os votos perdidos no Rio. No morro e no asfalto.

Serra: terceiro turno contra Marta?

O prefeito de São Paulo, José Serra, é um dos mais bem preparados quadros do PSDB e de sua geração, além de ser o mais forte adversário do presidente Lula na reeleição. Mas conhece o risco de deixar a prefeitura e disputar uma espécie de terceiro turno de 2002. Talvez por isso, tenha demorado tanto a admitir a candidatura ¿ a ponto de perder o bonde no qual o governador Alckmin aboletou-se rapidamente.

Ainda assim, correr riscos para encarnar o anti-Lula numa eleição presidencial disputadíssima teria lá sua justificativa, sobretudo se as circunstâncias partidárias ajudassem (o que parece não ser o caso).

Já a troca da prefeitura por um terceiro turno de 2004 com Marta Suplicy na eleição para o governo de São Paulo poderia acabar sendo um verdadeiro desastre para Serra. Imagine-se Marta todos os dias na televisão mostrando aquele documento que Serra assinou na campanha contra ela prometendo não deixar o cargo caso vencesse. Embora forte candidato também nesse jogo, perdendo essa o prefeito perde tudo.

O que não acontece se ficar na prefeitura e continuar fazendo uma boa administração, quem sabe até se reelegendo, se reeleição ainda houver em 2008. Nessa hipótese, não deixará de ser ainda fortíssimo candidato em 2010, mesmo que o alto tucanato não goste de admiti-lo. Se Serra, hoje o mais viável, abrir mão para Alckmin, terá crédito para ser o primeiro da fila.

A insistência de parte da cúpula tucana em fazer do prefeito candidato a governador de São Paulo parece, portanto, mais uma daquelas situações em que alguns se adiantam para fazer cortesia com o chapéu alheio. É mais fácil ser ousado quando o que está em jogo é o pescoço dos outros.