Título: Um tiro n¿água
Autor: Cristiane de Cássia
Fonte: O Globo, 13/03/2006, Rio, p. 8

Soldados deixam Morro da Providência e procuram armas, sem sucesso, junto ao Borel

Depois de quatro dias consecutivos de intensos confrontos no Morro da Providência, cerca de 300 soldados do Exército que ocupavam a favela começaram a deixar o local ontem às 13h30m. Moradores gritavam e aplaudiam a saída dos militares. Uma hora depois, traficantes soltaram fogos de artifício para comemorar a possibilidade de retomar a venda de drogas, que vinha sendo prejudicada há mais de uma semana por causa da ocupação. Já fora de seus postos, mas ainda aguardando no Santo Cristo a volta para a Vila Militar, os soldados ainda podiam ver alguns bandidos pulando e comemorando no alto das lajes.

A estratégia do Exército na busca pelas armas roubadas no dia 3 passado do Estabelecimento Central de Transporte (ECT), em São Cristóvão, mudou mais uma vez ontem, no décimo dia do cerco às favelas. À tarde, os militares deixaram as áreas que estavam sendo ocupadas e a grande maioria voltou para os quartéis. Uma tropa, porém, seguiu para a Tijuca para checar a informação de que os dez fuzis e a pistola roubados teriam sido deixados por bandidos num matagal junto à filial desativada do supermercado Carrefour na Rua Conde de Bonfim, próximo ao Morro do Borel. Ao anoitecer, porém, o efetivo deixou o local de mãos abanando.

¿ Não podemos dizer agora que as tropas foram retiradas das favelas, mas apenas que entramos numa fase de mobilidade das tropas, em que as ações são mais diretas, checando denúncias e informações recebidas pelo setor de inteligência ¿ explicou o tenente-coronel Paulo Meira, que ficou responsável ontem pela assessoria de imprensa do Comando Militar do Leste.

Padaria é reaberta e igreja retoma culto

Desde a madrugada parecia que a situação na Providência começava a se normalizar. Apenas alguns tiros disparados para o alto foram ouvidos durante 20 minutos, pouco antes do amanhecer.

¿ Hoje a gente finalmente conseguiu dormir ¿ contou uma moradora.

Algumas reclamações, porém, ainda podiam ser ouvidas. Os moradores se queixavam, por exemplo, de que várias caixas d¿água na parte alta do morro tinham sido destruídas pelos constantes tiroteios. A missa que costuma acontecer na manhã de domingo na Igreja Nossa Senhora da Penha, templo que fica no ponto mais alto da favela e que estava perfurado por alguns tiros, não foi celebrada ontem.

Mas na Igreja Evangélica Congregacional, na Ladeira do Barroso, houve culto ontem de manhã depois da semana inteira de templo fechado.

¿ Os cultos tinham sido suspensos por questão de segurança ¿ explicou o pastor Aires Francisco de Oliveira.

Uma padaria que tinha ficado fechada por três dias também foi reaberta no final da manhã. Os militares voltaram a distribuir panfletos aos moradores pedindo para que o esconderijo das armas fosse denunciado. Às 12h30m, as Kombis de transporte alternativo tiveram acesso liberado até o alto da comunidade. Os jornalistas, que também eram impedidos de subir desde a tarde de sexta-feira, puderam passar.

Por volta das 13h30m, os militares deixaram a favela. Os moradores, cansados dos tiroteios, aplaudiram.

¿ Graças a Deus vou poder ir para a escola ¿ disse aliviada uma estudante.

Os 300 militares, em sete jipes e nove caminhões, reuniram-se atrás de um quartel no Largo do Santo Cristo, de onde saíram em comboio pouco depois das 15h em direção à Vila Militar.