Título: MORTE AINDA SOB SUSPEITA
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Fonte: O Globo, 13/03/2006, O Mundo, p. 21

Autópsia diz que Milosevic teve infarto, mas não descarta envenenamento ou suicídio

HAIA, Holanda

Oex-presidente da Iugoslávia Slobodan Milosevic morreu de ataque cardíaco, segundo a autópsia realizada ontem em seu corpo. O resultado do exame não afastou, entretanto, suspeitas sobre a morte do chamado ¿Carniceiro dos Bálcãs¿. Fontes do Tribunal Penal Internacional para a Antiga Iugoslávia (TPI), em Haia ¿ onde Milosevic estava sendo julgado ¿ admitiram que a causa da morte só seria esclarecida após o resultado de exames toxicológicos, que sairia em 24 horas.

Zdenko Tomanovic, advogado de Milosevic, apresentou ontem uma carta que seu cliente teria escrito na véspera de sua morte para o governo russo relatando que ele temia estar sendo envenenado e pedindo proteção. ¿Querem me envenenar (...) Estou muito preocupado e inquieto¿, diz a carta. Segundo a mensagem, análises de seu sangue realizadas em janeiro verificaram a presença de doses elevadas de um antibiótico usado em tratamento de lepra e tuberculose, o que neutralizaria os efeitos de remédios para hipertensão que o ex-ditador tomava. ¿Nunca tomei qualquer antibiótico em cinco anos¿, diz a carta.

Corpo será entregue hoje à família

Funcionários do tribunal não só descartaram a hipótese de envenenamento como indicaram que o próprio Milosevic poderia estar deixando de tomar medicamentos, com intenção de suicidar-se. Foi o que sugeriu a promotora do TPI Carla del Ponte:

¿ Pode ter sido uma forma de evitar receber o veredicto, que provavelmente seria de culpado, com pena de prisão perpétua ¿ disse ela.

Reforçando essa hipótese, Leo Bokeria, chefe do Centro de Cirurgia Cardiovascular Bakulev, em Moscou, afirmou que médicos de Milosevic suspeitavam de que ele secretamente deixava de tomar remédios para pressão que lhe eram receitados.

¿ Eles (os médicos) fizeram os testes para a presença de remédio em seu sangue porque acharam que ele estava escondendo na boca os remédios ¿ afirmou.

Milosevic tinha problemas cardíacos e foi encontrado morto em sua cela sábado de manhã. Advogados dele pediram que a autópsia fosse realizada em Moscou, mas o TPI anunciou que ela seria feita em Haia, pela polícia holandesa, com supervisão de dois patologistas sérvios. O ex-ditador morreu aos 64 anos, a meses do fim de seu julgamento por genocídio e outros crimes nas quatro guerras que estraçalharam a Iugoslávia nos anos 90, matando mais de 250 mil pessoas.

Del Ponte disse que a morte de Milosevic tornou mais urgente a captura de outros dirigentes responsabilizados pelas atrocidades ocorridas nos Bálcãs na década passada. Ela lembrou que foi a segunda morte no centro de detenção de Haia em uma semana: no último dia 5, o ex-líder sérvio croata Milan Babic se matou em sua cela.

¿ Isto (a morte de Milosevic) tira das vítimas a justiça que elas precisam e merecem ¿ comentou a promotora. ¿ Agora, mais do que nunca espero que a Sérvia finalmente prenda e transfira Ratko Mladic e Radovan Karadzic (dirigentes sérvios bósnios acusados de genocídio) para Haia logo que possível.

O corpo de Milosevic deverá ser entregue hoje a sua família, mas não estava claro se a viúva, Mira Makovic, iria a Haia. Ela o visitava na prisão até 2003, quando fugiu para a Rússia para evitar ser presa por abuso de poder. O presidente sérvio, Boris Tadic, disse que Milosevic não terá direito a funeral de Estado e que não dará anistia a Mira. Oito sérvias depositaram flores ontem em frente ao tribunal. Em Belgrado, ao contrário, centenas de pessoas puseram coroas de flores no túmulo do presidente Zoran Djindjic, que expulsou Milosevic do poder e foi assassinado há três anos, completados ontem.