Título: A indulgência dupla
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 10/03/2006, O Globo, p. 2

As duas absolvições de anteontem levantaram protestos e acusações sobre um suposto acordão entre o PFL e o PT para salvar os mandatos dos deputados Roberto Brant e Luizinho. A ressaca quase produziu troca de socos no plenário mas nada de concreto indica que o plenário tenha seguido ordens dos caciques. Parece ter havido ali um impulso coletivo a discordar do Conselho de Ética e desafiar a previsível cobrança da opinião pública, estimulado pelo discurso de Roberto Brant à tarde.

Houve, certamente, retribuição de deputados da oposição aos votos que a base governista deu a Brant. O próprio líder do PFL, Rodrigo Maia, diz ter se surpreendido com a quantidade de votos obtida por seu liderado. Tal reciprocidade, entretanto, não decorreu de acordo espúrio na base do "absolve o meu que eu absolvo o seu". A dupla indulgência, impensável há alguns dias, foi produto de considerações difusas do conjunto dos deputados sobre o processo em curso, iniciado sob a premissa de que todos devem ser condenados. E para esta mudança de humor muito contribuiu o discurso de Brant, relativizando o crime de caixa dois e estimulando a Casa a enfrentar a ira da opinião pública: "O povo é outra coisa", atiçou ele. Seu discurso tocou e desinibiu o plenário, fazendo aumentar os votos a seu favor e abrindo caminho para a absolvição de Luizinho, à noite.

Há algumas semanas vigia na Casa o entendimento de que, depois da forte reação à absolvição do deputado Romeu Queiroz, em dezembro, no próximo julgamento o plenário teria que cortar uma cabeça para amansar os tigres da opinião pública. E o primeiro foi o de Brant, justamente aquele cuja absolvição foi sempre esperada. O longo tempo decorrido entre a reação de dezembro e a votação de anteontem, acredita Rodrigo Maia, dissipou aqueles temores e aquela disposição.

Neste início de ano verificou-se também um crescente descontentamento do conjunto da Casa com o comportamento do Conselho de Ética, que em diversos momentos desprezou formalidades jurídicas para garantir um suposto pacto interno, de todos condenar. Mas por falta absoluta de provas, acabou absolvendo Sandro Mabel e Pedro Henry. Esta insurgência contra o Conselho teve seu pico quando o presidente do órgão, deputado Ricardo Izar, fez uso do voto de minerva para desempatar a votação do caso de Brant, garantindo sua condenação. Ontem membros do Conselho faziam cenas de revolta contra o plenário mas eles também sabem como as coisas funcionam na Câmara. Uma faísca costuma produzir reações imprevisíveis. Algumas temerárias, como a que resultou na eleição de Severino Cavalcanti. Anteontem, um plenário desinibido resolveu dizer que caixa dois não é mensalão nem merece pena capital. Pela decisão, que cria um precedente grave e legitimador deste crime eleitoral, muitas vezes conexo a outros crimes, a Câmara responderá agora a uma onda de cobranças e críticas que pode influenciar o próximo julgamento, no sentido do endurecimento. Mas é certo que não fará tudo o que Conselho de Ética mandar.