Título: 'Câmara legisla de costas para a sociedade'
Autor: Adauri Antunes Barbosa
Fonte: O Globo, 10/03/2006, O País, p. 5

'A decisão é incompreensível. Não reconhece o delito que, por si só, já justifica a quebra do decoro', diz Gianetti

SÃO PAULO. A absolvição dos deputados Roberto Brant (PFL-MG) e Professor Luizinho (PT-SP) pela Câmara representa a morte da opinião pública, na avaliação do cientista político Rubens Figueiredo, diretor do Centro de Pesquisa, Análise e Comunicação (Cepac). Para ele, os parlamentares estão legislando de costas para a sociedade.

- Essa decisão representa a morte da opinião pública. Antes o Congresso tinha algum temor, mas isso acabou. Parece que estão legislando de costas para a sociedade - disse.

Esse comportamento da Câmara, para o cientista político, pode ser explicado pela saturação provocada com o prolongamento da crise política e as incessantes denúncias envolvendo o mensalão.

- O processo se esticou tanto que saturou a opinião pública. Hoje não existe mais o mesmo nível de vigilância. Com isso, a Câmara não teme mais a opinião pública - disse Rubens Figueiredo.

Dois fatos, avalia, comprovam sua tese de que as denúncias que provocaram a crise política já não causam o mesmo impacto na sociedade. O primeiro é a melhor avaliação do Congresso em pesquisa nos meses de novembro e fevereiro, apesar da convocação extraordinária sem resultados concretos. Mais emblemático para ele, é a ascensão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas.

- Deve ser o caso único na política mundial. O que se esperava era o contrário, que as denúncias provocassem o desgaste de Lula - criticou.

Parlamentares põem credibilidade em risco

Para o professor Eduardo Gianetti da Fonseca, coordenador do Ibmec Cultura, a atitude da Câmara pressupõe um acordo e é incompreensível:

- A decisão se mostra incompreensível. Não reconhece o delito que, por si só, já justifica a quebra do decoro parlamentar.

Os parlamentares, segundo Gianetti, estão erodindo a própria credibilidade:

- O acordo que se viu, uma espécie de coalizão, na base do "você salva a minha pele e eu salvo a de vocês", acaba erodindo o capital de credibilidade do Congresso.

Num contexto mais amplo, o professor do Ibmec São Paulo critica os efeitos da Constituição de 1988:

- O Judiciário julga por meio de liminares, o Executivo governa por meio de medidas provisórias e o Legislativo vive por conta de CPIs. Quer dizer, tudo por instrumentos constitucionais de exceção.

Na contramão das condenações à pizza dupla, o cientista político Rui Tavares Maluf disse acreditar que a Câmara tomou a decisão acertada, apesar de movida pelo espírito de corpo:

- Parece que o espírito de corpo tende a prevalecer nessa decisão. Mas acredito que votaram pela decisão mais acertada. Não estavam tão convencidos como nos casos de José Dirceu e Roberto Jefferson, as figuras mais importantes do processo.

"A política é dinâmica", diz cientista político

Na avaliação do cientista político, do ponto de vista eleitoral a decisão pela absolvição de Brant e Luizinho teria impacto desastroso para PFL e PT se fosse mais próxima da eleição.

- A política é muito dinâmica. Veja, por exemplo, o caso do deputado Ricardo Izar (PTB-SP), hoje comandando os processos éticos, mas que tem um passado malufista e já respondeu por denúncias - citou, considerando inevitável a cassação do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (PT-SP), assim como o prejuízo eleitoral para o PT.

"O acordo que se viu foi uma espécie de coalizão: você salva a minha pele e eu salvo a de vocês"

EDUARDO GIANETTI DA FONSECA, Economista

"Hoje não existe mais o mesmo nível de vigilância. A Câmara não teme mais a opinião pública"

RUBENS FIGUEIREDO, Cientista político