Título: CONTRA A ÉTICA
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Fonte: O Globo, 10/03/2006, Opinião, p. 6

A Câmara dos Deputados, na noite de quarta-feira, esteve à altura da imagem negativa que tem construído junto à sociedade. Na absolvição de dois dos beneficiários do esquema de manejo de dinheiro ilegal explorado pelo publicitário Marcos Valério, o deputado do PFL mineiro Roberto Brant e o parlamentar do PT de São Paulo Professor Luizinho, transpareceram o corporativismo, a tendência ao compadrio e aos conchavos de bastidores distantes da curiosidade legítima do eleitor.

A mesma Casa que já absolveu de forma inaceitável o petebista mineiro Romeu Queiroz e fez vista grossa a um testemunho contundente contra Sandro Mabel - acusado pela deputada tucana Raquel Teixeira, de Goiás, de lhe ter oferecido suborno com dinheiro do valerioduto para atraí-la ao PL, um dos partidos do mensalão - desdenhou da gravidade de denúncias comprovadas.

Não importam as cifras, se foram R$102 mil ou R$20 mil; importa saber que um e outro foram beneficiários de dinheiro ilegal, à margem de qualquer legislação, eleitoral ou tributária. Feriram o decoro tanto quanto o deputado e ex-ministro José Dirceu e o autor das primeiras denúncias do mensalão, Roberto Jefferson, devidamente cassados.

Comentava-se em Brasília que a absolvição de Roberto Brant, primeiro a ser julgado pelo plenário, levaria inexoravelmente ao cadafalso o deputado petista - uma maneira canhestra de se aplicar a teoria das compensações. Já seria lamentável esse desfecho, por considerar uma diferença, inexistente, entre o caixa dois abastecido com dinheiro de campanha e o caixa dois alimentado com recursos de origem desconhecida, provavelmente de esquemas de corrupção plantados na máquina pública. São criminosas as duas práticas.

Brant receberia afagos e palminhas nas costas por "apenas" ter recebido dinheiro da Usiminas, depois de enxaguado nas lavanderias de Marcos Valério, enquanto o professor Luizinho mereceria voltar ao anonimato da planície por ter lançado mão de recursos do valerioduto delubiano, abastecido, tudo indica, por aparelhos instalados pelo PT em estatais e autarquias. Pois aconteceu a absolvição dos dois, o pior dos cenários.

A maioria dos deputados optou pela flacidez ética, enfraqueceu a posição daqueles que desejam a moralização da vida política brasileira e manchou o Congresso.

Absolvição de deputados do valerioduto mancha o Congresso