Título: A globalização da mediocridade
Autor: VÂNIA PENHA-LOPES
Fonte: O Globo, 10/03/2006, Opiniao, p. 7

Feliz ou infelizmente, o "drama" a que se referiu este jornal em editorial (1/3) não é somente "brasileiro". Diversos países, entre eles alguns do "primeiro mundo" e outros "emergentes", também sofrem de problemas educacionais gritantes. Por exemplo, ao examinar vários estudos comparando o aproveitamento em matemática, ciências e geografia no Canadá e outros países, a Organization for Quality Education notou que o Canadá não só ficou constantemente atrás dos outros países industrializados, como piorou em matemática e ciências nos anos 90. O relatório concluiu que a mediocridade imperava; com o tempo, aquela acomodação poderia levar a uma queda ainda maior em aproveitamento escolar. Nos EUA, uma pesquisa do National Assessment of Educational Progress constatou que perto da metade dos alunos do último ano do ensino médio tinha apenas um conhecimento básico de matemática e que mais de 30% nem isso tinham.

Analfabetos funcionais existem em grandes números aqui no Hemisfério Norte. Em 26 de fevereiro último, o "New York Times" informou que "menos de um terço" dos americanos com nível superior é competente o bastante para entender o que lê. Ironicamente, o editorial do jornal, assim como o editorial do GLOBO, demonstrou receio quanto à capacidade de os EUA competirem na economia mundial se essas tendências continuarem.

Não se pode atribuir tais problemas à "tentativa de impor uma política de cotas raciais nas universidades". A Índia, um dos países emergentes citados pela alta qualificação de sua população, instituiu cotas para castas em 1947 que continuam em vigor. Entre os muito bem-sucedidos imigrantes indianos nos EUA, contam-se não só os brâmanes, como também membros de castas mais baixas que se beneficiaram do sistema educacional. Os que permanecem em seu país têm oportunidade de trabalhar para firmas americanas, as quais, mais e mais, preferem a mão-de-obra indiana, mais bem instruída e mais barata que a americana.

A ação afirmativa também não é, necessariamente, a causa do baixo rendimento educacional americano, pois esse não se reduz às minorias étnico-raciais. Embora em geral os negros e latinos tirem as notas mais baixas, aproximadamente 53% dos calouros universitários, independentemente de raça, necessitam de cursos básicos. A decadência educacional nos EUA afeta todas as camadas raciais e sociais; é um problema nacional.

Esse problema está à mostra principalmente na maneira de falar e escrever das pessoas. Imagino que, num país que enfatiza o "credencialismo", os funcionários dos meios de comunicação de massa tenham nível superior. No entanto, é comum vermos legendas com erros gramaticais crassos em programas de TV. Os convidados não ficam atrás: num segmento de culinária do "Today Show", um programa matinal, ouvi uma mestre-cuca declarar que a apresentadora teve uma reação ao "ácido acídico do vinagre"; numa transmissão de uma partida do Torneio Roland Garros, uma comentarista notou que um dos jogadores era um "rico milionário no Japão"; o anunciador de uma emissora recentemente bradou que aquela seria a noite onde os finalistas do programa de dança seriam escolhidos; Monica Lewinsky, a famosa ex-estagiária da Casa Branca, declarou na TV: "Já conheci homens onde uma boa personalidade completamente eliminou sua aparência". Aliás, essa inexplicável preferência por "onde" se nota também no Brasil, como registrou o professor Pasquale Cipro Neto em "Ao pé da letra" (2001); horas, eras, pessoas - tudo vira advérbio de lugar. Alie-se a isso a nova moda entre muitos brasileiros de classe média de falarem um português que soa como inglês maltraduzido (por exemplo, "Eu sou um engenheiro") e temos um fenômeno de padronização por baixo.

Se vários países exibem tendências semelhantes, é bem possível que estejamos presenciando uma globalização da mediocridade, isto é, uma propensão a aceitar o mínimo denominador comum ao falar, escrever e pensar, contanto que se possa ser razoavelmente entendido. A globalização da mediocridade reflete um processo de desencantamento sobre o qual Weber, o sociólogo alemão, nos alertou há quase um século. Os avanços tecnológicos nos tornam indiferentes; a rapidez da comunicação nos leva a abreviar tudo e por fim nos leva a deixar de entender o que falamos ou lemos.

Mas há uma saída. Podemos contra-atacar a globalização da mediocridade cercando-a por todos os lados. Não é uma simples questão de abandonar a expansão das universidades e investir mais no ensino médio, mas de integrar os investimentos na educação como um todo; assim, mais alunos chegarão à universidade qualificados e mais professores se formarão com competência para educar novas gerações de alunos. Como se dizia antigamente, "uma mão lava a outra".

VÂNIA PENHA-LOPES é professora de sociologia no Bloomfield College, nos EUA.